terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CRÔNICA DOS MEUS SONHOS

“MANAUS” - A cidade prostituta, dos mercenários, do coronelismo político e dos fracassados. Uma crônica que encontrei, numa seleção de várias, escritas por personalidades, falam dessa cidade, onde nasci e vi se transformar numa “metrópole”:


“Houve um tempo em que Manaus tinha calçadas, largos passeios em mármore de Lios, aqui e ali os canteiros de fícus-benjamin distribuindo sombra aos transeuntes. Não há mais calçadas. Caminha-se quase sempre numa terra de ninguém, entre o esgoto a céu aberto e a pista de trânsito. Uma cidade onde o tecido urbano foi destruído e não há uma rua, uma artéria intacta. Atravessa-se a cidade e tem-se a impressão de que quase todas as edificações estão inacabadas. Tijolos à mostra, o paraíso da arquitetura espontânea. Urna cidade que foi demolida pela ganância imobiliária e ficou sem capital para a reconstrução.
O terremoto do milagre econômico, varrendo do mapa a orgulhosa capital dos barões do látex. Mudando o original traçado urbano geométrico pêlos labirintos medievais das ocupações e pondo, no lugar dos palacetes, o tabique, o cimento vermelho e a grade de ferro. As fachadas de ladrilho de banheiro.
O caldo dos trópicos. A alegria da agonia.
Manaus, a cidade mais odiada do mundo.
Não fosse assim, não a teriam enfeado tanto, apagado com requintes de crueldade os seus traços art-nouveau, suas linhas cartesianas desafiando os trópicos, pensadas por homens que se não a amavam, pelo menos sabiam o que é uma cidade, o que é conviver nurna cidade.
Ser civilizado no mundo moderno é saber viver numa cidade.
Coisa que os administradores manauaras não sabem do que se trata.
Manaus, odiada talvez por não cumprir com o que promete. Engana as gentes das barrancas, os inocentes dos rios.
Engana os que chegam de muito mais longe, carregados de misérias e pesadelos.
Essa gente enganada não perdoa a cidade, e castiga Manaus, cada uma delas como células fazendo crescer o tumor canceroso em que foi transformada a velha e orgulhosa capital dos bares.
Cidade degenerada, de alegria favelada acostumada a se contentar com pouco. Talvez por isso odiada também pêlos que juram amá-la, amor da boca pra fora dos que deveriam amá-la ao menos por dever de ofício.
Manaus dos últimos acenos de gentileza em meio ao alarido arrivista.
Cidade mal-amada.
Cidade acostumada a apanhar na cara. a ser violentada, a ser roubada
vergonhosamente pelos seus amantes.
Cidade Puta.”

Márcio Souza

Do livro de Joaquim Marinho, “MANAUS, MEU SONHO”, Editora Valer, 2010“,