domingo, 24 de julho de 2011

MANAUS, TERRA DOS IGARAPÉS E ÁRVORES COLOSSAIS

A cidade de Manaus se destaca, além das belezas naturais que ainda existe, pelas estranhas sincronicidades, isto é, coincidências, e fatos pouco convencionais. Uma cidade que começa sendo construída em cima de cemitérios indígenas – a “fortaleza” de barro, o prédio da Prefeitura, a linda praça que fica em frente – outras praças como da “Saudade”, onde existiu o Cemitério São José, aberto na época da grande epidemia de varíola em Manaus. Mal assombrada pelos massacres das tribos indígenas vítimas dos invasores portugueses, que começaram na região a partir de 1665 no Rio Urubu, sob o comando do sanguinário Pedro da costa Favela.
Assim, Manaus se caracteriza também, pelos manes, as almas, dessa região de cemitérios. Ao contrário das denominações românticas e açucaradas para atrair turistas europeus, a palavra MANAU nos remete aos “manes” dos mortos , ao “mana” produzida pelos humanos, que alimenta a Natureza – a única coisa útil que fazemos em troca de nossas existências miseráveis. Daí o medo e o respeito que os índios tinha desses lugares, levando os Portugueses a construir nessas regiões para afugentar os nativos.
O desprezo pelos indígenas é muito claro e evidente em nossa região. Como é fácil descobrir, o ultimo reduto dos Muras, que participaram da cabanagem ao lado dos negros, dos caboclos, contra a elite lusitana da Amazônia, fica na região de Autazes. Sabe como é o nome da estrada que leva até os Muras? Ambrósio Aires! O grande inimigo dos cabanos. O passado indígena de Manaus deve ser esquecido também. Recentemente o secretário de educação municipal retirou a disciplina de História do Amazonas das escolas da Semed.
Assim, herdamos dos portugueses alguma coisa de mórbido e estranho. Foi por acaso que me deparei com uma cena pra lá de grotesca: uma pessoa ou duas, remando numa canoa cheia de coisas retiradas do lixo do igarapé – em Manaus há catadores de lixo dentro dos igarapés – recolhendo pets, latinhas de refrigerantes e sucatas, pois tradicionalmente já faz parte da cultura da cidade, jogar o lixo e as fezes neles, aliás a Prefeitura recolhe de vinte e cinco a trinta toneladas por dia, durante a cheia, e de quinze a vinte toneladas durante o período da seca. Aconteceu que a canoa com seus ocupantes atravessava calmamente o complexo das pontes ligadas ao igarapé do “mestre Chico” totalmente tomado, transbordando, de fezes humanas. Isso mesmo, remando indiferente num rio de fezes, num bosteiro .



Até aqui, como disse um colega de profissão, “mas isso é normal!” – se referindo ao fato de ainda existir pessoas roubando e assaltando em pleno século 21, com tanta tecnologia e riqueza produzida pela humanidade. Dizia ele, “isso sempre existiu”. Ninguém parece se incomodar com o fedor dos igarapés no centro histórico de Manaus, e no Distrito Industrial, na Zona Sul e Zona Leste, pois “isso é normal” também.



Fique perturbado porque eu já tinha visto aquilo ou lido em algum lugar. Pensei, isso parece coisa do Inferno. Manaus é mesmo estranha, pois essa e uma das cenas descrita dos rios de fezes do Inferno escrito pelo florentino italiano Dante Alighiere (1265-1321), no seu famoso livro “A Divina Comédia”. No seu exílio político, Dante escreve que em sonho, êxtase ou revelação divina, se encontrava perdido “numa SELVA escura” – talvez na Amazônia – quando aparece o falecido poeta romano Virgílio, que serve de guia pelos nove tortuosos círculos do Inferno. Foi no Oitavo Círculo, o Maleboge, também formado por dez fossos, que me lembrei ao ver aquela canoa atravessando o igarapé do “ Mestre Chico” cheio de fezes. Lá, no oitavo círculo do inferno dantesco, estão os aduladores e lisonjeiros submergidos num fosso de fezes e esterco – um lago de fezes como os igarapés de Manaus – cheio também de aduladores, que infelizmente ainda não estão no meio delas.




Aliás, verdade seja feita, também há grandes bosteiros no Rio de Janeiro e no centro de São Paulo. O mundo tecnológico ainda não encontrou um lugar para as fezes. Até porque, os ricos de Manaus moram em ilhas de luxo e riqueza, se locomovem nos mais de 400 automóveis da Mercedes Bens e outros carros importados, climatizados, e com certeza nem percebem que a cidade é fedorenta nas regiões atravessadas por igarapés.
Outra coisa, também estranha, são os afundamentos que acontece de tempos em tempos. Na década de 60 ou 70, dois deles aconteceram. Em frente ao antigo Hotel Amazonas e Loja Bemol, uma cratera se abriu misteriosamente. A outra se abriu na Sete de Setembro, entre os cinemas Polyteama e Guarany, tomando toda a rua. E recentemente, não muito longe do antigo hotel, em frente a antiga Defensoria Pública, nova cratera se abriu. Não muito longe do local onde existiram os cinemas, ao lado do Palacete onde funcionou quartel da Polícia Militar, outro buraco do inferno apareceu. Dizem as lendas urbanas, que são lugares onde existiram igarapés, aterrados no governo de Eduardo Ribeiro. Conversa pra boi dormir!. Imagina se os conjuntos residenciais construídos em cima dos aterros dos igarapés feitos pelo Prosamim, vão correr esse risco? Não, essas crateras devem ser passagem para o inferno mesmo. É apenas mais uma coincidência o fato de dois governadores, de épocas diferentes, se chamarem “Eduardo”. Mas é maravilhoso que exista um projeto assim, que vai restaurar a vida nos igarapés, criando uma “nova Ponta Negra”, que deveria consumir 300 milhões de dólares em nove anos, retirando das margens a população de migrantes favelados. Vamos até poder pescar neles!




Sem tradição histórica, além das tribos guerreiras que enfrentaram os portugueses durante a invasão do lugar, sobrou os cemitérios desses povos, a “ Zona” Franca, triste apelido que Manaus ganhou com o Distrito Industrial. Eis que surge bairros com referencial pra lá de estranhos que reforça o lado sombrio da cidade. Ninguém chamaria um bairro de fantasmolandia, monstrolandia, dos mortos-vivos. Pois Manaus tem um bairro chamado de Zumbi, sem ter tradições afro-brasileira para isso. A escravidão aqui custou a vida de uns dois milhões de escravos índios – aqui foi escravidão indígena cara pálida!




O líder negro que foi chamado por algum motivo religioso de Zumbi, lembra um lado misterioso de uma religião africana que se desenvolveu em alguns lugares do continente americano, de ressurreição de um morto, o “zumbi”, que volta do túmulo. Os filmes americanos adoram explorar as imagens de zumbis em filmes de terror. Basta dar uma olhada no clip “Thriller” de Michael Jackson. Outro bairro virou “Cidade de Deus”! De que “Deus”? Marte, Javé, Saturno, Elohim, Plutão, o deus dos infernos?




Uma turba que enfrenta a polícia, ameaça com terçados e coquetéis molotov numa invasão de terras e depois diz que “Jesus Me Deu”? E os aduladores que colocaram os nomes de políticos em suas invasões? Lembra dos aduladores do inferno imersos em fezes? Não é muita coincidência?
A cidade também vive o estigma do número da besta, o 600 ou 666. A “Marcha pra Jesus” levou 600 mil pessoas para as ruas. E por coincidência infeliz, 600 mil e o mesmo número de pessoas em todo o Amazonas abaixo da linha da pobreza. E os 600 milhões que o governo prometeu gastar para construir a “arena”, ou estádio de futebol para a Copa do Mundo de 2014? O ópio do povo, o futebol, deve ser incentivado, pois é um salário de 600 reais que a maioria dos operários das fábricas e das lojas recebem para trabalhar, as vezes de 5 da tarde até as 2 horas da manhã, no Distrito Industrial. Como as pessoas aceitariam a servidão, sem os times de futebol , “copas do mundo”, se embriagando com cerveja, as novelas e a cultura da “mulher pelada”, e os supermercados da salvação?
Mas, em nome verdade, Manaus tinha em 2006, apenas 404 mil abaixo da linha da pobreza. Temos que nos orgulhar não só dos festivais de óperas e orquestras sinfônicas, mas também do segundo lugar alcançado por Manaus em 2008, como a pior situação de miséria entre as capitais brasileiras – o IDF ficou em 0,49, empatando com Belém e Rio Branco. O mais interessante, Manaus perdeu naquele ano, até para os outros municípios do Amazonas.
Na televisão, um anúncio institucional do Governo Federal anuncia que a cada quinze minutos morre uma pessoa no trânsito no Brasil. Outra infeliz coincidência, pois era ou ainda é, tomara que tenha diminuído, a estatística de nascimento na cidade de Manaus: uma criança a cada quinze minutos. Nascer em Manaus é também um tipo de desastre da Natureza? Ou um tipo de acidente na vida sexual de adolescentes com o ”complexo de Cinderela”, em busca do príncipe encantado? Ou será que Manaus compensa as mortes do trânsito do Brasil?
Muito mais assustador que tudo isso é a troca de rituais de passagem na juventude da periferia. Ainda persiste nas comunidades tribais do Amazonas os rituais da Tucandeira para os rapazes, e o da Menina Moça, para as jovens. A reclusão dos adolescentes, nas tribos do Xingu. Em Manaus se desenvolveu o ritual fumaça da maconha, onde a meninada adolescente se acha o máximo fumando maconha e assaltando para sustentar o vício. Todos os dias aparece nos jornais algum jovem executado por dívida de droga.
O canibalismo praticado em festa ritual pelas tribos da Amazônia, devorando um bravo inimigo capturado nas guerras intertribais, virou um canibalismo social, em que filhos da pobreza está assaltando, também pessoas pobres, nos pontos de ônibus ,em portas de bancos, nas saídas das escolas, roubando mochilas e celulares. Estão comendo da própria carne. Porque é o filho do meu vizinho, cheio de filhos criados na mais profunda miséria, que está assaltando para comer e se drogar. Esse canibalismo social, que alguns acham “natural”, porque o roubo sempre existiu, é o pior de Manaus. Muito pior que viver numa cidade mal assombrada, cheia de aduladores, e igarapés cheios de fezes e lixo.




É essa insegurança “psicológica” dos assaltos, que me inspirou, já assaltado duas vezes, e arriscando minha vida todas as noites na Zona Leste, escrever em homenagem a inteligência das pessoas que comanda e governa essa cidade. E diga-se de passagem, são bem pagas com o dinheiro dos contribuintes. O que me deixa com uma pulga atrás da orelha, e que minha avó vivia dizendo: “Meu filho, o Inferno é aqui Mesmo!” Em Manaus?.....