domingo, 25 de março de 2012

MANAUS: IDENTIDADE CULTURAL E PRÉ-HISTÓRIA TARDIA

A descoberta do continente americano no final da Idade Média representou uma mudança na representação de mundo, que deixou de ser o centro do universo, abalando concepções dogmáticas da religião católica, que mandou para a fogueira os primeiros pesquisadores que tinha percebido isso. Mas não ficou por aí as surpresas e descobertas que o novo continente, que ficou conhecido pelo nome do cartógrafo Américo Vespúcio, “América”. As civilizações ricas e desenvolvidas dos Astecas, Incas, e as ruinas das cidades Maias, abandonadas na selva, se tornaram alvo fácil da conquista europeia, porque não tinha ainda inventado armas de fogo e herdado uma cultura de guerras de quatro mil anos, do império romano. O processo da conquista espanhola no continente americano se deu pela guerra, massacres e extermínios, que assegurou a posse da terra, abençoado pelo Papa, através do Tratado de Tordesilhas de 1492. E como um todo, países como a Inglaterra, França, e Holanda, enriqueceram – a acumulação do capital - e tornou possível a Revolução Industrial.
Por seu lado, os portugueses não tiveram a mesma sorte, no aspecto de riquezas minerais de culturas que dominavam a metalurgia. Pelo contrário, os povos do Brasil, apelido dados por franceses e holandeses por causa da árvore usada na produção de corantes, ou tinta vermelha, estavam em plena Idade da Pedra, o que seria a passagem do paleolítico para o neolítico, praticando uma rudimentar agricultura de raízes, completamente nus, lambuzados com urucum e jenipapo, usando porretes, arco e fecha, como armas, disputando em guerras intertribais as melhores terras, e crenças religiosas baseadas no animismo, também em transição para o xamanismo. Essa sociedade primitiva levou os europeus a pensar numa comparação, com a descoberta do paraíso bíblico perdido, do qual foram expulsos adão e Eva. Esse “paraíso” na verdade representa o que foi chamado de “Pré-História Tardia”.
É nesse contexto de atraso de milhares de anos de cultura, em relação ao Velho Mundo, na produção de conhecimento e tecnologia, que faço a abordagem dos mitos que foram construídos em torno do que chamamos equivocadamente de “Amazônia”, Amazonas e Manaus. Pois o processo da colonização obrigou por decreto, a imposição da cultura portuguesa, lançando os sobreviventes direto da pré-história tardia para o pré-capitalismo, e um capitalismo pouco compreendido na Amazônia brasileira. Há, portanto, um permanente conflito de identidade cultural, distorcendo e escandalizando, procurando negar o passado de um lugar como a cidade de Manaus.
Em primeiro lugar, aqui nunca teve mulheres guerreiras, muito menos aquelas gregas despeitadas de fato, pois não tinha um dos seios, daí apelidadas de “amazonas”. Assim começa nosso conflito de identidade nas cidades que surgiram da colonização portuguesa. Tapuios, isto é, índios destribalizados, mamelucos, cafuzos, portugueses, caboclos, pessoas vindas aos milhares do nordeste na época da borracha, negros escravos, em minoria, judeus, palestinos, japoneses, e hoje, haitianos, constitui a população “amazônica”. Até o momento em que era Capitania de São José do Rio Negro, rebaixada para a categoria de “Comarca”, durante o processo de independência do Brasil, não havia uma preocupação com cultura e identidade, origens. Na primeira a fase de enriquecimento, o tão aclamado “período da borracha amazônica”, os coronéis enriquecidos buscam se espelhar na cultura europeia, na arquitetura, nas artes, aterrando os igarapés, desmatando e modificando a geografia urbana de Manaus.
Com a implantação da Zona Franca, nova fase de riqueza e desenvolvimento, a burguesia chibante continua alimentando o gosto pela cultura europeia, filarmônica, festivais de ópera, de cinema, importando músicos, fizeram questão sediar os jogos da copa do Mundo de 2014. Por necessidade de uma construção histórica, o Amazonas e sua capital Manaus, busca identificar suas origens, hinos, relatos de bravura, mitos indígenas, e heróis. Em 1967, junto com a Zona Franca, a cidade de Manaus passa a adotar um “nome de Fantasia”, renegando seu significado indígena. Foi nesse mesmo ano publicado o livro “Topônimos Amazonenses”, onde o autor, Octaviano Mello, após brilhante e detalhada explicação sobre o significado da palavra indígena MANAUS, MANOA, MUNOUS, se refere as necrópoles, sepulcros, cemitérios, do povo Aruáqui, dos Manaus, e dos Barés. Como já tinha sido observado por Euclides da Cunha, e pode ser verificado no DICIONÁRIO DA LÍNGUA TUPI, de 1867 escrito por Gonçalves Dias, “mã” se refere a “saudade” e “manô” é “morrer”, Octaviano conclui que a palavra MANAUS é um superlativo que significaria “mortíssima”. Seria a tradução para a língua portuguesa de MANAUS. Ao contrário do que se afirma, Octaviano Mello recorre a uma interpretação de uma outra pessoa, escrevendo “conforme ensina Penafort,” procura um parentesco significativo em várias palavras hebraicas e no sânscrito, curiosamente colocadas entre aspas “.....” chegando a conclusão de que MANAUS é uma palavra feminina e plural, significando “Mãe dos Deuses”. De superlativo, a palavra Manaus vira plural e no feminino. Agora, como um povo tradicionalmente monoteísta pode legitimar uma palavra hebraica parecida com MANAUS, com um significado POLITEISTA? Como o sânscrito poderia levar a uma DEUSA, mãe de outros deuses, que não existe no panteão dos hinduísmo?Se MANAUS, não é superlativo, mas um plural, então significa realmente túmulos, necrópoles, cemitérios. E porque uma tribo teria um nome ou apelido desses? O que você me diz de uma tribo de “curubentos”, de “cabeças-chatas”, de “beiçudos”, de “macacos”? Brincadeira? Não! Essas tribos são os Kurubos, Cambebas, Botocudos e Caiapós. Por qual motivo uma tribo receberia um apelido tipo “coveiro” ou fazedor de túmulo, “gente dos cemitérios”? Por que tinha costumes funerários estranhos para os portugueses. Como o de enterrar seus mortos em grandes vasos funerários. Algumas tribos colocavam o morto em posição fetal, ou de cócoras, ou as cinzas e suas armas. E o que não falta nessa cidade são urnas funerárias indígenas, encontradas no centro história e embaixo das industrias montadas no Distrito Industrial. Por esse motivo a solução foi buscar um nome de fantasia: Mãe dos Deuses. Buscar um significado fora do contexto indígena, pois é o nome de uma tribo ou de necrópole dos Aruáqui, um povo mais antigo, transformando numa interpretação digna da mitologia grega, embora Hera, Juno, Isis, nunca foram mães dos outros deuses, lembra um trecho hilariante do livro “Galvez, Imperador do Acre”, de Márcio Souza, onde o Teatro Amazonas é visto pelos europeus amalucados como uma construção feita por extraterrestres no meio da floresta amazônica.Mas era preciso, buscar também, os heróis que representasse o passado de bravura do período colonial. No Maranhão doze mil Tupinambás se tornaram aliados dos Franceses. Fornecedores do Pau-brasil, para os “contrabandistas”, e “invasores” na visão dos portugueses, as tribos genericamente chamadas de Tupinambás lutaram até o extermínio. E nos confrontos dos tupinambás surge em 1619 a figura de um líder: Guaimiaba, o “Cabelo de Velha”. Na Capitania de São José do Rio Negro, de 1723 a 1727 acontece a festejada resistência e guerra da tribo dos MANAUS, e seu “grande líder” Ajuricaba, que pode ser traduzido por “enxame de abelha”, o “maribondo”. No litoral do Brasil colonial outro chefe indígena aparece com destaque na luta ferrenha contra os invasores portugueses: Cuhambebe, o líder antropófago que aparece no livro do aventureiro alemão Hans Staden. Sabe qual é o significado do seu nome? Algo como “que fala como Mulher”, algo depreciativo, por que ele era gago. Você já viu um “touro sentado”? Deve ser no mínimo engraçado, ou ridículo. Para encurtar a história: os paraenses não transformaram o “cabelo de velha” em herói. Mas Ajuricaba virou um herói do povo amazonense, ao ponto de sua imagem ser usada de uma forma subliminar por um dos políticos mais amados de Manaus – Amazonino Mendes - que assumiu o símbolo de uma abelha, uma “caba”, o “líder” Ajuri caba, em suas propagandas políticas. Ele tinha um projeto de construir uma estátua para o índio Ajuricaba no encontro das águas. Mas não teve apoio suficiente para o projeto. Mas você percebeu, que não é só os nomes das tribos, mas também os líderes das tribos, eram nomeados com nomes injuriosos ou ridículos? Ao contrário da tribo dos Manaus e seu chefe “casa de cabas”, os MURAS, que participaram da cabanagem ao lado dos “cabanos”, não foram considerados heróis para representar a bravura do povo amazonense, do tempo da conquista, “apoiada ao canhão”. Enquanto o estado vizinho do Pará relembra os cabanos como heróis, no Amazonas são os Legalistas. A estrada que leva aos Muras, tem o nome de seu maior inimigo: Ambrósio Aires. É Confusa a ideologia que busca representar o Hino do Amazonas – pois as tribos indígenas não tinha canhões. Os portugueses sim. Então não temos heróis nos inimigos dos portugueses, como a tribo dos MANAUS, e seu líder “muitas abelhas” – Ajuri Caba. Será por tudo isso que que o “amazonense é desfibrado” e confuso? Tupi ou não Tupi, eis a questão!
Em nenhum lugar do Brasil foi tão desastrosa a imposição da cultura portuguesa como no Amazonas. O “Diretório dos Índios” estabeleceu a obrigatoriedade da língua portuguesa, nomes português nas vilas e missões religiosas, vestir roupa e moradias com divisões – as moradas eram coletivas – e o pior de tudo, adotar a religião dos conquistadores. O que havia de errado com os costumes, a cultura dos povos da região? Andavam nus, tinham sua religião, sua maneira de trabalhar, seus alimentos tradicionais, festas fúnebre e rituais de passagem para os jovens. Recentemente, num programa de repercussão nacional, uma garota – uma adolescente de Manaus - de onze anos está grávida. Parece um absurdo, algo novo, um sinal dos tempos de hoje. Não é bem assim. Há quarenta anos, na década de sessenta, quando eu era menino aqui mesmo em Manaus, vi uma garota de onze anos gravida. Não há nada de surpreendente nisso. Na cultura das tribos da Amazônia as meninas viram mulher com a primeira menstruação e casam cedo. Afinal, a expectativa de vida na floresta e baixa, uma média de trinta anos – onde uma fratura exposta , uma picada de cobra, uma mordida de animal, ser devorado, se envenenar ou morrer de parto, são fatalidades que justifica essa pressa de viver e se reproduzir. Assim como nas tribos casar é pegar a rede e ir morar na casa da família da mulher, também em pleno século vinte e um, casar é viver junto. Como numa sociedade tribal, e até na feudal agrícola, quanto mais filhos tiver, é melhor, porque o trabalho é manual, a maioria da população não entendeu e nem sabe o que é mecanização ou automação da produção industrial. A maioria pensa como se estivesse no meio do mato, ou na Idade Média, gerando filhos que terão dificuldades de competir numa sociedade mecanizada, onde o trabalho é cada vez mais especializado. Aqui no Amazonas ainda estamos agindo como na Pré-história Tardia.
Apesar do Parque Industrial multinacional, o fantasma da Pré-História tardia ronda o Amazonas. Por atavismo, pois o tabaco, a maconha, a cocaína, a folha da chacrona e o mariri, o peiote, eram usados em praticas rituais religiosas dos povos pré-colombianos, nos Andes e na selva amazônica. A juventude se identifica cada vez mais com a maconha e a cocaína. Por falta de rituais de passagem, próprio das sociedades tribais, fumar Skank significa para garotos de 13 aos 16 anos, virar “homem”. Como as meninas que engravidam aos 11 anos, também os garotos numa visão das sociedades tribais, se consideram adultos, ignorando a norma formal de ser considerado “de menor”, e irresponsável pelos seus atos até os 18 anos. É preciso ser assaltados por esses “menores”, para entender o grau de violência e selvageria dessas “crianças”, sob o efeito de “baseados”, se acreditando como “guerreiros”. Como essa meninada não trabalha e se tornam viciados, as vezes a “família”, nem percebe que o “menor” está assaltando para pagar o traficante. Por que não pagar é morte na certa. Dos 989 assassinatos de 2011, quase três por dia, são execuções de adolescentes por calotes de droga. Para completar, o aniversário da cidade também é uma invenção curiosa: juntaram o dia e o mês, 24 de outubro, e associaram a fundação da fortaleza de São José do Rio Negro em 1669, como se fosse uma única data. ANEXO 1 – Do livro “TOPÔNIMOS AMAZONENSES” (Nomes das cidades amazonenses, suas origens e significados), de Octaviano Mello, Edições do Governo do Amazonas, Manaus 1967, “MANAUS”, páginas 31 até 37 (DIGITALIZADO DO ORIGINAL):





“CIDADE DE MANAUS






ATÉ O ANO de 1795, a zona da foz do rio Negro ainda fazia parte do histórico Reino dos Aruaqui, cujas fronteiras envolviam quase toda Guiana Brasileira de vastíssimas proporções. Esses notáveis ameríndios, valentes e ciosos dos seus domínios seculares, depois de desafiarem o poderio português, fizeram as pazes com este povo, graças a habilidade do Padre Antônio Vieira. Foi esta nação, já amiga das tropas do Capitão Pedro da Costa Favela, que em 1668, o conduzira das margens do rio Urubu ao local onde atualmente assenta a formosa Capital do Amazonas. Conhecendo a ótima situação da localidade, à margem esquerda do rio Negro, a montante da sua confluência com o Solimões, o Capitão Pedro Favela dá os seus informes a António de Albuquerque Coelho de Carvalho, Capitão Mor do Pará, que ao tempo, muito se interessava pelos destinos da região. A conveniência de uma fortificação neste rio se impunha logo para assegurar os domínios da coroa portuguesa nos sertões e garantir a conquista do elemento nativo.
O local indicado por Favela estava em condições de receber as peças da artilharia portuguesa. O Capitão Mor designa o Capitão Francisco da Mota Falcão, oficial português, para construir essa fortificação, que no ano de 1669 foi erigida, tomando o nome de Fortaleza de São José do Rio Negro. Lançada esta semente fecundou sob o amparo, dedicação e influência do Sargento Guilherme Valente, que habilmente conseguiu reunir em torno destes fundamentos as nações mais prestigiosas da região : Manau, Tacu, Baré, Possé e Baníua, que se agruparam formando a Aldeia de São José do Rio Negro. Depois da fundação da Capitania de São José do Rio Negro, nome herdado da fortaleza e do rio, no fim do século XVIII sendo a aldeia rebaixada à categoria de lugar, tomou o nome de Lugar da Barra do Rio Negro, lembrando também a linha de separação das águas do rio Negro, no encontro com o Solimões formando o Amazonas. No decreto de 25 de junho de 1833, artigo 4.°, do Governo do Pará, que substitui a denominação da Comarca de São José do Rio Negro pela de Alto Amazonas, com apoio no artigo 3.º do Código Criminal do Brasil, vem o Lugar da Barra do Rio Negro incluído como Termo e sede da Comarca, com a denominação de Vila de Manaus. No entanto, pela Lei n.° 146, de 24 de outubro de 1848, da mesma Província, foi a Vila de Manaus elevada de categoria com o nome de Cidade da Barra do Rio Negro. Instalada a Província do Amazonas, em 1852, da sua Assembleia, em sessão de 21 de agosto de 1856, o deputado João Inácio Rodrigues do Carmo apresentou um projeto mudando o nome da Cidade da Barra do Rio Negro para Cidade de Manaus. Em 28 do mesmo mês e ano subiu à sanção do Presidente da Província, Dr. João Dias Vieira, sendo convertido em Lei n.° 68 de 4 de setembro de 1856. Não consta dos Anais da Assembleia Provincial, uma só palavra para justificar a mudança do nome da capital da Província, para Manaus, e os Relatórios dos Presidentes silenciam também sobre o caso, aumentando a curiosidade do investigador. O projeto desta mudança de denominação, ao que parece, não despertou o menor interesse no seio da Assembleia, onde passou sem destaque no curto espaço de sete dias e, ainda, sem a honra de um registro nos respectivos Anais.
Ocupemo-nos agora da palavra Manaus e também da sua significação, cujo assunto não foi ainda bem esclarecido pelos amazonólogos, não obstante o longo decurso de quase um século. Existem opiniões assegurando que a denominação da formosa capital amazonense seja oriunda de Manau, célebre nação indígena que habitou e preponderou no rio Negro, tendo sua corte na antiga aldeia de Bararuá ou Pararuá, lugarejo, que em 1758, foi elevado à Vila com a denominação de Tomar.
Os membros dessa poderosa nação, ao lado de outras também notáveis, concorreram para a fundação de Manaus e foram os fundadores da Aldeia de Mariuá, atualmente Cidade de Barcelos e de várias povoações conquanto umas decadentes e outras desaparecidas, tiveram seu fausto e nome na história da Capitania e Província. Dentre os principais tuixàuaitá (chefes) dos Manaus, destacam-se : Camandri, por ter sido o chefe da histórica Aldeia de Mariuá, ao tempo em que ali se instalou a missão dos carmelitas, e Ajuricaba (Aiuricáua), que libertou numerosos índios escravizados, movendo urna violenta guerra aos portugueses, que no princípio do século XVIII, faziam este ingrato comércio. Ajuricaba afinal, preso, depois de agrilhoado e posto a bordo ao rumo do Pará, venceu atirando-se espontaneamente ao rio Negro, cujo seio profundo tanto preferia quanto repudiava aos desalmados conquistadores da sua região imensa e verde. Foi dessa valente nação desaparecida pela sua civilização completa, depois de tantos feitos heroicos, na época dos exploradores que, segundo afirmam uns, teve origem a denominação da capital do Estado. Outros porém, opinam pela sua procedência de uma lenda maravilhosa emergida da existência de um rei — El Dorado — cujo nome legou aos seus excepcionais domínios, que tinham por capital a cidade de Manôa, situada entre os rios Negro e Branco, no Amazonas, e Essequibo, na Guiana Inglesa, na margem ocidental da Lagoa Parima.
Alguns escritores dão a cidade de Manôa ou Macatôa, como situada à margem do Lago Amacu, na mesma região. Com a questão do Pirara, passou o grande e rico território do El Dorado a pertencer à Inglaterra, na Guiana Inglesa, subtraído ao Amazonas. Manôa lendária, afigurava-se uma estrela de primeira grandeza engastada num céu de ouro; tudo nessa cidade era de ouro e prata; os tetos dos edifícios eram dourados o até o rei pulverizava-se com ouro, todas as manhãs, de onde vem El Dorado : O homem de ouro. Nem Manco Capac, fundador do Império dos Inças, que construiu um trono ao ar livre, iluminado por um sol artificial, de ouro, para confundir-se com o "Filho do Sol", que os Quíchuas adoravam, tinha tanta riqueza e esplendor. A lenda correu vertiginosamente os múltiplos setores da terra. E mais ainda repercutiu pela desmedida ambição do elemento europeu de toda casta, por esses tesouros, que aliás não são de todo fictícios, porquanto a região do Pirara, onde situam o El Dorado é riquíssima em ouro e pedras preciosas.
Desde 1531 os exploradores portugueses e espanhóis vinham à cata do El Dorado. Depois seguiram -lhes holandeses, franceses e ingleses. Os próprios companheiros de Martim Afonso suspeitaram, baldadas as inúmeras tentativas para descobri-lo nos sertões de Piratininga, que essa terra tão rica devia ser o Império dos Inças. Para lá se dirigiram de bandeira içada e, segundo opiniões, volveram carregados dê metais preciosos; não de Manôa, mas dos povoados e aldeias por eles saqueados. Manôa era a Cidade dos Sonhos Dourados.
Prosseguindo daremos ainda outra fonte de origem e, em conclusão a significação da palavra Manaus. Sabe-se que dominara a região, outra nação indígena mais numerosa e importante que a dos Manau, muito anterior a esta e a construção da Fortaleza de São José do Rio Negro e dela existira uma necrópole antiquíssima, que fora encontrada nos arredores da Fortaleza. Esta nação foi a dos Aruáqui, que fora expulsa do território pelos Mura, índios ociosos banidos do Peru na época da conquista espanhola ao Império dos Inças. As referências históricas se encadeiam, se justapõem para chegarmos ao conhecimento desta nova fonte de origem da palavra, também aceitável, por isso que ousamos incluir no estudo toponímico de Manaus. As várias nações que compunham o grande Império dos Incas tinham sistemas próprios para construção dos seus mausoléus e estes uma denominação especial, conforme a região em que habitavam aqueles íncolas. Os Aimará, povoadores das altiplanícies do Titícaca, chamavam "chulpas" aos mausoléus, que construíam de pedras em forma de torres. As tribos dos Taláue, Mochica, Moquihuáia, e Chango, habitantes da cosia do Pacífico, no Peru, chamavam "Munous" aos sepulcros que não iam além de um montículo, à semelhança de uma sepultura recente, nos nossos atuais cemitérios. Quantos montículos semelhantes a "Munaus", dos Inças, não foram feitos pelos exploradores do El Dorado, tentando descobrir as riquezas de Manôa ?. . .
É demais sabido que os primeiros exploradores do rio Amazonas vieram do Peru, transpondo a Cordilheira dos Andes e numerosos rios, figurando dentre es primeiros, como notáveis, Gonçalo Pizarro, Francisco Orellana, Pedro de Ursúa com as suas célebres expedições em meados do século XVI, e tantos outros. Também de lá vieram acossados pelos conquistadores espanhóis os Mura ou Buhura que descendo o rio Madeira se espalharam pelas margens do Amazonas e Solimões, contribuindo com ataques o roubos para o desaparecimento dos Aruáqui, exterminando o seu reino e apropriando-se das suas terras. O grande Reino dos Aruáqui, como chamavam os portugueses, abrangia uma região imensa, entre o norte dos rios Amazonas e Negro e o sul do Essequibo, na Guiana Inglesa. Dentro dessa enorme área, à margem esquerda do rio Negro, estava situado o local que deveria ser a capital do Amazonas. Com os exploradores ou com os Mura ou antes mesmo destes, por intermédio de ameríndios fugitivos das terras incaicas, atravessando os Andes, também não teria vindo o nome munaus para ser transmitido à brava nação indígena e ao local da necrópole dos Aruáqui, onde só munaus existiam, ? É possível e, em apoio estão os estudos das antiguidades do Amazonas demonstrando a existência de uma necrópole encontrada nas cercanias da Fortaleza de São José do Rio Negro, a cujos munaus o eminente Barbosa Rodrigues confunde chamando "chulpas", quando na verdade estas são feitas de pedra em forma de torres, como ficou dito, e aquelas apenas uns montículos igualmente aos que faziam os Aruáqui, os Manau e os Baré, antes e depois de instalada a Fortaleza de São José. Os documentos fotográficos da época de Manaus em formação nos transmitem ainda a perfeita semelhança das sepulturas locais, como os munaus de além Andes.
Munau e Manoa, encarados sob o ponto de vista indígena, são sinônimos e talvez a mesma palavra, deixando-nos a considerar apenas as alterações gráficas. Munaus designa uma necrópole onde existem restos ou cinzas de alguém que morreu; de alguém mais que morto. Provém do inça da costa do Pacífico. Manôa, vem do sânscrito para o nheengatu, como veremos, e aqui no verbo umanu ou simplesmente manu, morrer, seguido do sufixo a, que na língua se pospõe às palavras, quando se deseja dar força ao vocábulo, isto é, levando-o ao superlativo. É sobejamente sabido que o nativo dificilmente emprega o ó aberto e o ô fechado, mas, sempre u, não obstante alguns indianólogos usarem invariavelmente o ô e o ó como se na língua não houvesse o fonema u : ôca, carôca, manô, quando na verdade se pronunciam, uca, caruca, manu, traduzidas em, casa, tarde, morrer. Por este motivo alterar a grafia de manu, para manô, que no grau superlativo escreve-se : Manua ou Manôa, mais que morto, mortíssimo.
A significação do nome Manaus, estaria por este lado puramente indígena, em grande contraste com o desenvolvimento e beleza da cidade : Mortíssima. Todavia, estudada a palavra como originária do sânscrito, conforme ensina Penafort, verifica-se que Manaus é uma das formas femininas de Manauh, Manou, Manu, Mani, que são por sua vez "abreviações do nome hebraico Monouchyak ou Manouchia, Machiahh ou Machya, Machyaka, donde veio a palavra indo-tupi, Houcha, homem ou gênio nascido de Manou, Manu ou Mani, significando Deus dos índios". Continuando, diz : "Maná-y-i quer dizer — mulher de Manu; portanto, Maná, Manacá, Manau, Manay, são formas tupi oriundas do radical feminino sânscritoman, maná".
Logo, o homem, gênio ou deus dos índios sendo, pelo lado paterno, filho de Manou, Menu ou Mani, e, uma vez que Manau, Moná, Manacá, Manay, são formas femininas; e que Maná-y-i quer dizer mulher de Manu, deduz-se : O homem, génio ou deus dos índios é, pelo lado materno, filho de Manau nome que no plural — Manaus — foi concedido à capital do Estado do Amazonas. Manaus, quer dizer : Mãe dos Deuses.
A palavra Manaus tem sido graficamente representada como vai a seguir : Manou, Manáu, Manei», Manaó, Manahó, Manáve, Manávi, Manúa, Monouh, Manôa, Manáos, Manáus e Manaus.
Os seus nomes poéticos também são em profusão. Todo espírito culto, observador e amigo do belo, desejou gravar-lhe um nome pomposo, que se fundisse bem com sua origem, progresso e beleza. Assim, Manaus tem sido cognominada: "Terra dos Bares", "Terra dos Manaus", "Terra Cabocla", "Manôa", "Revelação da República", "Rainha do Rio Negro", "Rainha das Selvas", "Soberana das Selvas", "Capital da Floresta", "Cidade Alteza", "Cidade Risonha", "Cidade Sorriso", "Cidade Menina". Manaus, na sua consubstanciação, quer dizer : Mãe dos Deuses.”



(TOPÔNIMOS AMAZONENSES, OCTAVIANO MELLO, páginas 31 até 37, da edição de 1967)





ANEXO 2 – DO livro HISTÓRIA DO AMAZONAS, 1ª Série do Ensino Médio, de Francisco Jorge dos Santos, Leitura Complementar nº 9: “O Imbróglio do Aniversário de Manaus”, página 161, edição de Junho de 2010.




IMBRÓGLIO DO ANIVERSÁRIO DE MANAUS




"Salve 24 de Outubro de 2005, data que Manaus completa 336 anos de Fundação!,". É feriado no município de Manaus; quase, ninguém formalmente trabalha. No entanto, o cidadão comum mal sabe que essa exclamação é oriunda de uma verdadeira mixórdia, pois se trata de uma mistura de tempos, eventos e significados que rigorosamente nada têm a ver uns com os outros.
Começo pela "fundação" da cidade. Ainda não se conhece nenhuma evidência documental ou qualquer outra, que autorize afirmar que o governador e capitão-general do Maranhão e Grão-Pará, António de Albuquerque Coelho de Carvalho (1667-1671), tenha ordenado ao capitão Francisco da Mota Falcão a fundar a cidade de Manaus. No máximo, esse militar teria ordens para edificar, em 1669, um estabelecimento militar que ganhou o ostentoso nome de Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro. Do mesmo modo, até agora nada corrobora que essa edificação ocorreu mesmo nesse ano. Porém, se for verdadeiro, qual o mês, qual o dia em que o ato da fundação teria ocorrido?
Normalmente atos dessa natureza são solenemente registrados por autoridades do poder público. Por exemplo: a fundação do Forte do Presépio - núcleo remoto da cidade de Belém - teve origem na ordem expressa no Regimento de Francisco Caldeira Castelo Branco, no qual se ordenou que fosse erigida uma fortificação, cuja fundação data de 12 de janeiro de 1616; outro exemplo, é o da Fortaleza de São Joaquim, edificado na confluência dos rios Tacutu e Branco, cuja construção foi ordenada através da Provisão Régia de 4 de novembro de 1752, mas só iniciada as obras em 1775, já no governo do capitão-general João Pereira Caldas.
A confusão continua. Em 1969 as autoridades constituídas do Município de Manaus e do Estado do Amazonas festejaram o aniversário de 300 anos da cidade de Manaus. Porém, em 24 de outubro 1998 as mesmas autoridades comemoraram o "Sesquicentenário de Manaus ", isto é, os 150 anos da cidade de Manaus. Pelo festejo anterior dever-se-ia estar celebrando pelo menos os 329 anos da cidade.
Hoje, comemoram-se os 336 anos da cidade. Tentarei explicar essa confusa trajetória. Os antigos cronistas1 e os autores mais recentes estão de acordo de que a Fortaleza da Barra do Rio Negro foi fundada em 1669, mesmo sem uma documentação comprobatória. Em volta dessa edificação militar se desenvolveu um verdadeiro "curral de índios", local onde era amontoado o produto das caçadas humanas, transformado em plantel de escravos à espera do momento adequado para serem transportados para Belém.
Além do "curral de índios " que se compunha de uma população transitória, no entorno da Fortaleza também se desenvolveu um aldeamento composto principalmente pelos índios Baníuas, Barés e Passés oriundos dos rios Içana, Negro e Japurá, que passaram a viver, na condição de índios aldeados. O conjunto Fortaleza da Barra e o seu entorno em 1790 abrigou a sede da Capitania do Rio Negro no governo de Lobo d 'Almada (l 788-1799) com a denominação de Barra do Rio Negro. No entanto, oito anos mais tarde perdeu essa condição, sendo dessa forma rebaixada à categoria de um simples Lugar, pois a sede do governo voltou a ser a vila de Barcelos. Voltando, entretanto, à condição de sede do governo por volta de 1808, e assim se manteve até o fim do período colonial.
Com a incorporação do Estado do Grão-Pará e Rio Negro ao Império brasileiro, em. 1823, a Capitania do Rio Negro foi transformada mima simples Comarca da Província do Pará; não obstante isso, a Barra do Rio Negro continuou sendo a sede dessa jurisdição. No início da década de 1830, houve uma mudança no Império em termos político-administrativo; por conta disso, a Comarca do Rio Negro mudou de denominação, passando a ser chamada de Comarca do Alto Amazonas, cuja sede foi novamente, em 25 de julho de 1833, elevada a condição de Vila com a denominação de Manaus.
Em 1848, a Assembleia Provincial Paraense, através da lei Nº 145 de 24 de outubro desse ano, elevou Manaus à categoria de Cidade com a denominação de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro. Somente pela Lei Nº 68, de 4 de setembro de 1856, de autoria do deputado João Ignácio Rodrigues do Carmo, foi que a cidade passou a ser definitivamente denominada de Manaus.
Portanto, temos agora as chaves para as duas idades da cidade de Manaus. A da fundação da Fortaleza da Barra do Rio Negro, 1669; e a elevação de Manaus à categoria de cidade, em 24 de outubro de 1848. Na primeira, mesmo com a incerteza, tem-se o ano; na segunda, tem-se o dia o mês e um ano; entretanto, ambas não correspondem à verdade histórica que se procura acerca do nascimento da cidade.
Se se contar da fundação da Fortaleza, Manaus completaria, hoje, 336 anos de idade; se se contar da elevação à categoria de cidade, Manaus teria, hoje, 157 anos. Para pôr fim a essa situação desconfortável, alguns poucos preocupados com as festas solenes do evento patrocinadas pelas verbas públicas resolveram "franksteinear" a data do aniversário natalício da cidade, passando a ser contado, a partir de 24 de outubro de 1669. O dia e mês de um evento e o ano de outro. É is o imbróglio.
Na realidade inventaram um dia de feriado ao arrepio da História, quase característico daquilo de o historiador inglês Eric Hobsbawm definiu como ''tradição inventada", que seriam as práticas, muitas vezes tácitas, que visam a inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição. Neste caso o subentendimento cedeu ao escancaramento. Virou lei.
Não sei se esse tipo de questionamento leva a algum lugar. Em todo caso, já que as elites que dominam o poder público manauense e amazonense necessitam tanto desses tipos de eventos cívicos para exercitarem seus discursos carregados de nativismo piegas, deveriam criar outros feriados, a exemplo da elite política nacional que festeja o Descobrimento do Brasil, em 22 de abril e a Independência, em 07 de setembro. No caso de Manaus, uma festa para a Origem de Manaus (não para fundação), e outra para a Elevação de Manaus à categoria de Cidade. Assim tudo fica "bonitinho dentro do vidrinho " (bordão de um comunicador local), e se põe fim essa embrulhada. Contudo, o evento da Origem necessita de pesquisas, que o poder público deveria incentivar.
Finalmente, ainda nessa linha de raciocínio "cívico ", não caberia ainda, a criação do feriado comemorativo ao Descobrimento do Amazonas: o dia em que o bergantim do espanhol Francisco de Orellana penetrou no rio Amazonas?"



-SANTOS, Francisco Jorge dos. Artigo publicado em CD-ROM no Jornal do Commercio nos dias 22, 23 e 24.10.2005, em Manaus.