sábado, 28 de janeiro de 2012

MANAUS: A MÃE DE QUEM?AS ORIGENS INDIGENAS DE UMA CIDADE INVADIDA

Imagine uma comunidade tribal, que mal sabia produzir o fogo, não conhecia a metalurgia, não tinha atingido a Idade dos Metais, não tinha escrita, vivendo da coleta, da caça e da pesca, praticando uma agricultura de coivara, cortando e queimando a mata, para plantar mandioca. Isso mesmo, estou me referindo as tribos da Amazônia brasileira, em especial a um grupo tribal que se denominava “manaós” ou Manaus, que dominavam a região e resistiram ferozmente a invasão portuguesa. Como a maioria dos povos que se dividiam em cinco, ou sete nações que habitavam pindorama na época da colonização portuguesa, com suas culturas, línguas, e costumes – como o da antropofagia – e crenças religiosas, quase todos os grupos, baseada no animismo ou no xamanismo. Algumas tribos acreditavam em seres que viviam na água, nos rios , na mata, e tinham um xamã, que nas tribos de língua tupi, chamavam de Pajé. Essa era a religião dos povos indígenas do Brasil pré-colonial, portanto, também da tribo manaós.
Então como é possível dizer que Manaus, que era uma tribo com todas essas características, significar “Mãe dos Deuses”? Que megalomania levou a invenção desse nome que invoca os deuses gregos? Se a maioria dessas tribos passaram do xamanismo para o cristianismo, como poderia existir a significação do que é “deuses” – como existiu na complexa mitologia grega?
De quais deuses, Manaus era a mãe? Afinal, qual seria o significado do nome dessa tribo inimiga mortal dos portugueses? Primeiro, é preciso esclarecer , as tribos indígenas do Brasil eram denominadas por nomes ou apelidos, pelas suas características culturais, ou pejorativas, quando nomeadas pelos inimigos. Assim, quando os portugueses aportaram no litoral brasileiro, tiveram contato com dois grupos inimigos, que estavam em guerra por território: os Tupiniquins, e os Tupinambás. Não eram duas tribos, uma denominação, mas como se diferenciavam entre “verdadeiro” e, o “falso”, nesse caso, era o grupo tupinambá. Daí segue que as tribos podiam ser tupiniquins ou tupinambás. A história registra a “amizade” portuguesa com os tupiniquins, e o extermínio dos tupinambás. E como eram os nomes das tribos? Muitas ficaram conhecidas só pelos apelidos, na maioria das vezes pejorativos, e até ofensivos.
Vejamos alguns exemplos: BOTOCUDOS, porque usavam nos lábios um pedaço de madeira – uma “botoca” – como podemos observar no cacique Raoni, de uma tribo do Xingu. O mesmo aconteceu com os POTURUS, homens e mulheres usam também um pedaço de madeira nos lábios – poturu é o nome do enfeite. Os CAIAPÓS, foram assim denominados por inimigos, pois esse nome significa “macaco” do mato. Os KUIKUROS, tem como significado um tipo de peixe do Xingu. Os temidos caçadores de cabeça MUNDURUCUS, talvez fosse um apelido vindo de urucum, pois eles tinha o corpo todo pintado com listas verticais. As tintas dessas pinturas era jenipapo e o urucum, que tinha também o efeito de repelente. Os IANOMAMIS, dizem que esse nome significa “homens verdadeiros”, ou seja, eles são HUMANOS, GENTE, o que não impediu o apelido de “macacos brancos” pelos inimigos.
Então, Cara Pálida, como surgiu essa estória de que a nome dessa tribo, os “ Manaus”, significa Mãe dos Deuses? Qual é o fundamento dessa invenção? Euclides da Cunha, quando esteve no Amazonas, observou que os nomes de algumas tribos tinha algo de triste, melancólico. E realmente há algo curioso como Baré, e boré. O fato da palavra manaós ou Manaus, ter a raiz semelhante a MANA, que nos remete, em várias línguas, a um significado místico relacionado aos mortos, como os MANES , ou com uma energia chamada de MANA, nas tribos do Caribe, ao MANU oriental, e MENTE ou MENTAL. Finalmente, tem a palavra MANITU, “o grande espirito”, vindo de algumas tribos americanas. Talvez tenha sido dessa ultima palavra que algum espertinho associou ao nome dos MANAÓS: se é O GRANDE ESPÍRITO, logo, só pode ser a MÃE DOS DEUSES.
Mas há o outro lado da moeda. Ter um nome indígena não é aconselhável quando o significado é desconhecido. Cidade Caiapó, por exemplo, seria na verdade, Cidade dos Macacos. No caso de Manaus, as urnas funerárias encontradas no centro histórico, pois a cidade foi construída, inicialmente, em cima de cemitérios indígenas, aponta para um significado sombrio e triste para a tribo dos manaós: coveiros, fantasmas, espíritos..., que poderia significar CIDADE MAL ASSSOMBRADA, CIDADE DOS MORTOS, ou dos CEMITÉRIOS – hoje, com certeza é a cidade das invasões.
Outra questão intrigante é porque uma vila, mais tarde cidade portuguesa, foi denominada com o nome da tribo inimiga dos Manaos? Homenagem ou deboche? Para esclarecer e questionar as razões da escolha dessa denominação, vou reproduzir uma crônica, um texto, que li pela primeira vez publicado num jornal, pois hoje está nas páginas do livro “História do Amazonas” de Francisco Jorge dos Santos:

A PROPÓSITO DO NOME CIDADE DE MANAUS: "ÍNDIO BOM É ÍNDIO MORTO"
"A cidade de Manaus poderia ter várias datas de aniversários. Poderíamos contar a partir de 1669, ano da construção de um fortim que ficou conhecido pelo pomposo nome de Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro, ou de todas às vezes que se trocou de predicado ou de função o referido sítio demográfico (...).
Em 1848, pela lei nº 145 de 24 de outubro, da Assembleia Provincial Paraense a Vila de Manaus foi elevada à categoria de Cidade com o nome Nossa Senhora da Conceição da Barrado Rio Negro. Somente pela Lei nº 68, de 4 de setembro de 1856, de autoria do deputado João Ignácio Rodrigues do Carmo, é que a cidade passou a ser definitivamente denominada de Manáos.
Não é idade da cidade que nos interessa neste momento, mas sim, as razões que envolveram o seu apelido: Manáos (Manáus ou Manaus, uma questão de grafia), pois sabe-se que tal denominação veio da nação dos índios Manaus que constituíam um dos grupos étnicos mais importante da Amazónia no período colonial. Curiosamente, na época em que a cidade foi registrada oficialmente com esse nome, estava, sendo inaugurada a historiografia brasileira, esta portadora de uma carga anti-índigena muito pesada, da qual fazia parte Francisco Adolfo Varnhagen, que defendia a ideia de se empregar a força bélica contra os índios para "civilizá-los". Não menos curioso foi o fato da própria Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas decretar, em 1852, a escravidão indígena por dez anos a partir do seu recrutamento. Rezam os primeiros artigos da eufêmica peça legislativa: "Art. 1º Fica livre a todo morador poder ir contratar a trocar de indígenas bravios com os principais nas nações selvagens; Ar t. 2º Feita a troca, o indivíduo apresentar-se-á com os índios perante o Juiz de Paz mais vizinho para assinar um termo de educação por espaço de dez anos ".
Ora, quais razões levaram um deputado elaborar um projeto para homenagear uma nação indígena em uma época em que intelectuais e autoridades ainda cultivavam as máximas coloniais, por exemplo: "que a bestialidade dos índios ultrapassa a de qualquer animal", ou que os índios eram "declaradamente seres inferiores, naturalmente preguiçosos e dados aos vícios" (Leonardi, 1996. p. 20 e 21). Mais tarde o nome da cidade foi condenado pelo deputado A. C Tavares Bastos. Dizia ele: "descobriram para a capital do Alto Amazonas o nome bárbaro de uma tribo já esquecida ". No mesmo ritmo Euclides da Cunha emite a sua opinião: "há uma onomatopéia complicada e sinistra nesta palavra, feita de sons melancólicos dos borés e da tristeza invencível do bárbaro " (Jobim, 1957. p. 185-186).
Mais patético ainda, é constatar-se que: "não consta nos Anais da Assembleia Provincial, uma só palavra para justificar a mudança de nome da capital da Província, para Manaus, e os Relatórios dos Presidentes silenciam sobre o caso (...). o projeto desta mudança de denominação, ao que parece, não despertou o menor interesse no seio da Assembleia, onde passou sem destaque no curto espaço de sete dias e, ainda, sem a honra de um registro nos respectivos Anais." (Mello, 1967).
O autor do projeto para mudança de nome da jovem cidade, para Manáos, talvez tivesse conhecimento de que nação dos Manaus habitou as duas margens do rio Negro, desde a foz do rio Branco até a ilha de Timoni e constituíram uma verdadeira barreira humana, impedindo que os portugueses penetrassem a região de seus domínios na primeira metade do século XVIII. Mas, foram derrotados pelas tropas militares lusas, ficando então livre o acesso às investidas sertanistas portuguesas todo médio e alto rio Negro. O autor também deveria saber que os Manaus, já reduzidos e convivendo em aldeamentos lusitanos, em 1757promoveram uma série de levantes no rio Negro, envolvendo os aldeamentos de Dari (Lamalonga), Bararoá (Thomar), Caboquema (Moreira) e teriam como próximo alvo, agora em confederação, Mariuá (Barcelos). Tal movimento de rebeldia, estremeceu novamente o domínio lusitano na região. Porém, mais uma vez, foram sufocados pelas tropas de guerra coloniais portuguesas.
"Os Manaó resistiram a invasão cie seu território com armas na mão, até serem completamente varridos do mapa (...). No inicio do século XIX, Martins (1819) ainda encontra um pequeno núcleo dos Ore-Manaó ou Ere-Manaó na margem esquerda do rio Padauiri. Hoje, não sobrou nenhum para contar a história, desconhecida pela população da cidade que herdou o seu nome. " (Freire, 1993/4, p. 169).
Tudo indica que João Ignácio R. do Carmo também conhecia essa história, uma história maldita para as autoridades constituídas, que a esconderam da população manauense por ocasião do "batismo legal" da cidade, em 1856. Mas, que devem tê-la aceito em nome da proposição etnocentrista e etnocida, de que "índio bom é índio morto ".
SANTOS, Francisco Jorge dos. Artigo publicado no Jornal do Norte, em Manaus,
24 de outubro de 1996.