BARÉS, MANÁOS E TARUMÃS
José Ribamar Bessa Freire
" Artigo originalmente publicado na revista Arquitetura e Urbanismo, fevereiro/março 87. As fontes usadas e a bibliografia foram suprimidas no artigo original por exigência da revista, cujo perfil é mais jornalístico que académico. Publicação autorizada.(Para HISTÓRIA EM NOVOS CADERNOS, publicação da UFAM)
Professor Adjunto da Universidade do Rio de Janeiro UNl-Rio e Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, onde é Coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (SR-3).
"Manaus, terra das florestas, terra das castanhas e dos seringais.
Manaus, terra dos bares, dos igarapés, rios colossais".
(de um hino cantado nas escolas de Manaus).
Manaus, terra dos bares, dos igarapés, rios colossais".
(de um hino cantado nas escolas de Manaus).
INTRODUÇÃO
A população atual de Manaus, como regra geral, reage indignada quase com espírito corporativista, quando os seus visitantes manifestam-se agradavelmente surpresos por se encontrarem, apesar de tudo, diante de uma cidade marcadamente indígena, do ponto de vista histórico, cultural e ecológico. Ninguém quer se identificar hoje com os vencidos de ontem, porque isto implica assumir o fato de que Manaus é uma cidade derrotada. Derrotada e mal-amada. Mal-amada porque desconhecida. A "civilização de palha" erguida na Amazônia -resultado da experiência milenar e coletiva dos povos indígenas - faz parte de um passado que a ideologia dominante teima em considerar "atrasado", "bárbaro", e “não-histórico", embora ele tenha contribuído com soluções inteligentes e criativas nas várias formas de se aprimorar e de habitar o espaço amazônico.
O espaço amazônico foi ocupado, hierarquizado e, portanto, humanizado pelo "povos-testemunhas" (Daniel Vidart) que aqui viveram antes da invasão do europeu. Mas esse fato é encoberto hoje pêlos herdeiros dos conquistadores e desconhecido pêlos descendentes dos conquistados. O resultado é a ruptura da continuidade espacial entre a sociedade mestiça em construção e o que havia anteriormente. Como consequência busca-se angustiadamente "no outro" a identidade perdida. Queima-se a "tapera dos Manaus" para construir a "Paris dos Trópicos" ou a "Miami brasileira", mesmo se esse processo é realizado em detrimento da qualidade de vida. O elo com o passado era de vidro. E se quebrou.
Neste artigo pretendemos resgatar alguns elementos históricos do processo de ocupação do território onde foi erguida a cidade de Manaus, destacando alguns aspectos do processo de urbanização, realizado contra os interesses dos povos locais. Não é um artigo de História, mas a Historia lhe convém para acompanhar os rastros e vestígios que nos permitem delimitar a profundidade das raízes do quadro urbano da Manaus de hoje.
O espaço amazônico foi ocupado, hierarquizado e, portanto, humanizado pelo "povos-testemunhas" (Daniel Vidart) que aqui viveram antes da invasão do europeu. Mas esse fato é encoberto hoje pêlos herdeiros dos conquistadores e desconhecido pêlos descendentes dos conquistados. O resultado é a ruptura da continuidade espacial entre a sociedade mestiça em construção e o que havia anteriormente. Como consequência busca-se angustiadamente "no outro" a identidade perdida. Queima-se a "tapera dos Manaus" para construir a "Paris dos Trópicos" ou a "Miami brasileira", mesmo se esse processo é realizado em detrimento da qualidade de vida. O elo com o passado era de vidro. E se quebrou.
Neste artigo pretendemos resgatar alguns elementos históricos do processo de ocupação do território onde foi erguida a cidade de Manaus, destacando alguns aspectos do processo de urbanização, realizado contra os interesses dos povos locais. Não é um artigo de História, mas a Historia lhe convém para acompanhar os rastros e vestígios que nos permitem delimitar a profundidade das raízes do quadro urbano da Manaus de hoje.
I. AMAZÓNIA: A CIVILIZAÇÃO DE PALHA
As viagens dos europeus ao longo do rio Amazonas no século XVI nos deixaram descrições e relatos com informações dispersas e muitas vezes impressionistas sobre a distribuição da população indígena e os padrões de povoamento e ocupação do seu território.
Os primeiros cronistas são unânimes em afirmar que toda a calha central do rio Amazonas era ocupada por "'uma multidão infinita"de índios, que por "serem muitos não se puderam contar". E usaram e abusaram dos superlativos, não escondendo a sua admiração por este feto.
No alto Solimões, a expedição de Orellana (1541-1542) passou o tempo todo procurando "fugir dos povoados que eram tantos que causavam espanto". Na região do baixo Amazonas, "foram tantas as povoações que aí apareciam e vimos, que ficamos abismados".
Frei Carvajal, o cronista de Orellana, informa sobre a existência, na várzea amazônica, de "muitas e grandíssimas povoações que reúnem 50 mil homens, entre os 30 e 70 anos". Segundo ele, a maior distância entre uma povoação e outra era meia légua e havia aldeias "que se estendiam por mais de cinco léguas sem separação de uma casa para outra, o que era coisa maravilhosa dever".
Se o número reduzido de expedicionários desta primeira viagem -menos de 60 homens - pode tê-los levado a exagerar a quantidade de índios encontrados, esse argumento é facilmente demolido com a segunda viagem comandada por Ursua-Aguirre (1560-61), 20 anos depois, quando mais de 3 mil homens navegaram todo o rio Amazonas até a sua foz. Os três relatos conhecidos desta viagem confirmam a alta densidade demográfica da região, com idênticos superlativos sobre "as mais populosas terras já descobertas por cristão", ocupada por tanta gente que "dava medo". Nas primeiras décadas do século XVH, a região - que permanecera até então isolada de novos contatos com o europeu -apresenta um quadro relativamente inalterado.
A viagem de Pedro Teixeira (1637-1639), que fez o percurso de subida e descida de todo o rio Amazonas, com mais de 2 mil homens, encontra aldeias tão próximas umas das outras que "dos últimos povoados de umas, em muitas delas, se ouvem lavrar os paus nas outras", segundo o cronista da viagem, o jesuíta Cristóbal de Acuña. Acuña vai encontrar também província "com mais de 200 léguas de comprimento continuando-se as suas aldeias tão a miúde, que apenas se perde uma de vista e já se descobre outra".
O piloto-mor da Armada de Teixeira, Bento da Costa, citado pelo padre Alonso de Rojas, conclui que a população da Amazônia era maior do que a de "todo o resto das índias descobertas" e que "são tantos e sem número os índios que, se do ar deixassem cair uma agulha, há de dar em cabeça de índio e não no solo".
Durante muito tempo, as informações dos cronistas, consideradas exageradas, foram deixadas de lado pela Historiografia tradicional, incapaz de trabalhá-las criticamente. No entanto, as pesquisas arqueológicas dos últimos 30 anos dão conta de extensas aldeias habitadas e nos oferecem evidências que reforçam os testemunhos oculares dos cronistas, apesar da maioria dos 334 sítios arqueológicos da Amazônia brasileira, cadastrados pelo Museu Goeldi em 1982, permanecerem abandonados e destruídos
Estudos recentes de Demografia Histórica, sobretudo os realizados pela chamada "Escola de Berkeley", refinaram os métodos de abordagem do problema, cruzando informações históricas, analisando os padrões de subsistência, inventariando o potencial ecológico da região e assumindo os resultados das pesquisas arqueológicas. Com esses procedimentos, William Denevan estimou uma população de mais de 6.800.000 índios vivendo na região que ele denominou de "Grande Amazõnia"no século XVI, ralando mais de 700 idiomas diferentes, de acordo com os recentes trabalhos de classificação de línguas.
Se é correta a hipótese, cada vez mais fortalecida por diferentes disciplinas, de que a Amazónia era densamente povoada no século XVI, então cabem algumas perguntas: Como se deu a produção do espaço nas sociedades indígenas? Como os índios se apropriaram desse espaço, como o habitaram e hierarquizaram? Como estavam organizadas as suas aldeias? Qual era a percepção que os próprios índios tinham do seu território?.
Estas perguntas não podem ser respondidas fora do quadro complexo da rede de relações sociais aqui existentes.
Os povos que habitavam a calha central do Amazonas eram todos agricultores em maior ou menor escala. Realizaram experiências botânicas, domesticaram uma enorme variedade de plantas como a mandioca, o milho, o algodão e o tabaco, e descobriram as propriedades medicinais e nutritivas de ervas e frutas. Produziram uma cerâmica refinada e instrumentos de trabalho capazes de transformar a mandioca em farinha e o algodão em redes e mantas coloridas. Construíram habitações amplas e arejadas. Promoveram um intenso comércio intertribal. Criaram uma literatura vigorosa, poemas, músicas, danças. Migraram, navegaram, brigaram, fizeram e desfizeram abancas, amaram, viveram e reproduziram sua existência aqui graças a uma leitura correia da região.
Mas os povos amazônicos ao contrário dos aztecas e andinos, não deixaram relatos escritos contando a sua experiência de vida. E os cronistas europeus que descreveram esta realidade, o fizeram usando categorias não apropriadas, impotentes para dar conta daquilo que viram.
Da mesma forma que o mutum foi chamado equivocadamente de peru, o espaço territorial indígena, na visão dos europeus, estava conformado por cidades, bairros, fortalezas, muralhas, avenidas, ruas, pontes, praças, portos, estradas, edifícios, e casas, denominações quase sempre inadequadas para descrever um fenômeno novo, diferentes, "outro".
No rio Amazonas, na medida em que o bergantim de Orellana ia navegando, "apareciam grandes cidades, que estavam alvejando". No Solimões eles encontraram "uma aldeia grande e populosa, com muitos bairros, cada qual com um desembarcadouro no rio". E, mais adiante, batizaram uma localidade com o nome de "Povoado da Rua", porque era constituída de "uma única rua, com uma praça no meio". Abaixo da foz do Madeira, viram uma aldeia, dotada de "largas avenidas", que pelo seu tamanho "devia ser capital de algum grande senhor". Em território dos Omagua, no Solimões, encontram "muitos caminhos largos, estradas reais, pela terra adentro", ligando a várzea com a terra firme.
O capitão Altamirano, um dos cronistas da expedição Ursua-Aguirre, confirma a existência desses caminhos 20 anos depois de Orellana, com outros dados sobre uma povoação - uma fortaleza no alto do morro - "que para subir nela se subia por mais de 100 degraus que tinha cada escada feita no barranco".
Outro cronista de Ursua-Aguirre, o soldado Francisco Vasquez, descreve uma aldeia Omagua, no alto Solimões, "com dois bairros pequenos", cada um com 30 casas e em cada casa 50 a 60 índios, com mulheres e filhos, o que totaliza para os dois "bairros" mais de 20 mil índios. No relato de Ortiguera, próximo a Coari, Lopo de Aguirre encontra "casas grandes e redondas, de "vara en tierra", sem paredes, com duas portas, uma para o rio e outra para a floresta, com o teto chegando até o chão". Mais abaixo, no Punis, havia "casas grandes, amplas e quadradas". Encontraram também, em outra localidade, "casas em fila, uma ao lado da outra, prolongando-se pelo barranco do rio".
As relações sociais e a estrutura de parentesco determinaram formas de ocupação que surpreenderam os europeus. Acuna informa que as casas dos índios Yoriman, no Solimões, ocupavam mais de uma légua de extensão: "E como não vive em cada casa uma família só, como acontece ordinariamente em nossa Espanha, mas que pelo menos se abrigam debaixo de cada teto quatro ou cinco, e muitas vezes ainda mais, disso se poderá deduzir a multidão de toda esta aldeia".
O que fica claro nas descrições dos cronistas é que, apesar de uma certa uniformidade ecológica na várzea do rio Amazonas, as aldeias e casas diferiam umas das outras pelo tamanho, pela forma e pela concepção presente na maneira de organizá-las, demonstrado com isso que cada sociedade tribal adotou uma solução própria na ocupação de seu território.
Os viajantes perceberam, no entanto no meio das diferenças, algumas características comuns dessas culturas, denominadas por Berta Ribeira como "civilizações de palha". Rojas explica que "as casas e edifícios de todos os índios são de madeira, lavradas com curiosidade e cobertas de palha; não há nenhuma de pedra nem coberta de telhas".
Os trabalhos de etnografia realizados com grupo tribais da Amazônia que sobrevivem até hoje demonstram também que "o que há de comum, em todas essas sociedades, é o fato de que a organização espacial reflete uma concepção de sociedade que é, nitidamente, igualitária", conforme esclarece Sylvia Caiuby Novaes, organizadora do livro "Habitações Indígenas".
E dentro deste quadro mais amplo da Amazónia que se situa a região do rio Negro, onde se encontra hoje a atual cidade de Manaus..
Os primeiros cronistas são unânimes em afirmar que toda a calha central do rio Amazonas era ocupada por "'uma multidão infinita"de índios, que por "serem muitos não se puderam contar". E usaram e abusaram dos superlativos, não escondendo a sua admiração por este feto.
No alto Solimões, a expedição de Orellana (1541-1542) passou o tempo todo procurando "fugir dos povoados que eram tantos que causavam espanto". Na região do baixo Amazonas, "foram tantas as povoações que aí apareciam e vimos, que ficamos abismados".
Frei Carvajal, o cronista de Orellana, informa sobre a existência, na várzea amazônica, de "muitas e grandíssimas povoações que reúnem 50 mil homens, entre os 30 e 70 anos". Segundo ele, a maior distância entre uma povoação e outra era meia légua e havia aldeias "que se estendiam por mais de cinco léguas sem separação de uma casa para outra, o que era coisa maravilhosa dever".
Se o número reduzido de expedicionários desta primeira viagem -menos de 60 homens - pode tê-los levado a exagerar a quantidade de índios encontrados, esse argumento é facilmente demolido com a segunda viagem comandada por Ursua-Aguirre (1560-61), 20 anos depois, quando mais de 3 mil homens navegaram todo o rio Amazonas até a sua foz. Os três relatos conhecidos desta viagem confirmam a alta densidade demográfica da região, com idênticos superlativos sobre "as mais populosas terras já descobertas por cristão", ocupada por tanta gente que "dava medo". Nas primeiras décadas do século XVH, a região - que permanecera até então isolada de novos contatos com o europeu -apresenta um quadro relativamente inalterado.
A viagem de Pedro Teixeira (1637-1639), que fez o percurso de subida e descida de todo o rio Amazonas, com mais de 2 mil homens, encontra aldeias tão próximas umas das outras que "dos últimos povoados de umas, em muitas delas, se ouvem lavrar os paus nas outras", segundo o cronista da viagem, o jesuíta Cristóbal de Acuña. Acuña vai encontrar também província "com mais de 200 léguas de comprimento continuando-se as suas aldeias tão a miúde, que apenas se perde uma de vista e já se descobre outra".
O piloto-mor da Armada de Teixeira, Bento da Costa, citado pelo padre Alonso de Rojas, conclui que a população da Amazônia era maior do que a de "todo o resto das índias descobertas" e que "são tantos e sem número os índios que, se do ar deixassem cair uma agulha, há de dar em cabeça de índio e não no solo".
Durante muito tempo, as informações dos cronistas, consideradas exageradas, foram deixadas de lado pela Historiografia tradicional, incapaz de trabalhá-las criticamente. No entanto, as pesquisas arqueológicas dos últimos 30 anos dão conta de extensas aldeias habitadas e nos oferecem evidências que reforçam os testemunhos oculares dos cronistas, apesar da maioria dos 334 sítios arqueológicos da Amazônia brasileira, cadastrados pelo Museu Goeldi em 1982, permanecerem abandonados e destruídos
Estudos recentes de Demografia Histórica, sobretudo os realizados pela chamada "Escola de Berkeley", refinaram os métodos de abordagem do problema, cruzando informações históricas, analisando os padrões de subsistência, inventariando o potencial ecológico da região e assumindo os resultados das pesquisas arqueológicas. Com esses procedimentos, William Denevan estimou uma população de mais de 6.800.000 índios vivendo na região que ele denominou de "Grande Amazõnia"no século XVI, ralando mais de 700 idiomas diferentes, de acordo com os recentes trabalhos de classificação de línguas.
Se é correta a hipótese, cada vez mais fortalecida por diferentes disciplinas, de que a Amazónia era densamente povoada no século XVI, então cabem algumas perguntas: Como se deu a produção do espaço nas sociedades indígenas? Como os índios se apropriaram desse espaço, como o habitaram e hierarquizaram? Como estavam organizadas as suas aldeias? Qual era a percepção que os próprios índios tinham do seu território?.
Estas perguntas não podem ser respondidas fora do quadro complexo da rede de relações sociais aqui existentes.
Os povos que habitavam a calha central do Amazonas eram todos agricultores em maior ou menor escala. Realizaram experiências botânicas, domesticaram uma enorme variedade de plantas como a mandioca, o milho, o algodão e o tabaco, e descobriram as propriedades medicinais e nutritivas de ervas e frutas. Produziram uma cerâmica refinada e instrumentos de trabalho capazes de transformar a mandioca em farinha e o algodão em redes e mantas coloridas. Construíram habitações amplas e arejadas. Promoveram um intenso comércio intertribal. Criaram uma literatura vigorosa, poemas, músicas, danças. Migraram, navegaram, brigaram, fizeram e desfizeram abancas, amaram, viveram e reproduziram sua existência aqui graças a uma leitura correia da região.
Mas os povos amazônicos ao contrário dos aztecas e andinos, não deixaram relatos escritos contando a sua experiência de vida. E os cronistas europeus que descreveram esta realidade, o fizeram usando categorias não apropriadas, impotentes para dar conta daquilo que viram.
Da mesma forma que o mutum foi chamado equivocadamente de peru, o espaço territorial indígena, na visão dos europeus, estava conformado por cidades, bairros, fortalezas, muralhas, avenidas, ruas, pontes, praças, portos, estradas, edifícios, e casas, denominações quase sempre inadequadas para descrever um fenômeno novo, diferentes, "outro".
No rio Amazonas, na medida em que o bergantim de Orellana ia navegando, "apareciam grandes cidades, que estavam alvejando". No Solimões eles encontraram "uma aldeia grande e populosa, com muitos bairros, cada qual com um desembarcadouro no rio". E, mais adiante, batizaram uma localidade com o nome de "Povoado da Rua", porque era constituída de "uma única rua, com uma praça no meio". Abaixo da foz do Madeira, viram uma aldeia, dotada de "largas avenidas", que pelo seu tamanho "devia ser capital de algum grande senhor". Em território dos Omagua, no Solimões, encontram "muitos caminhos largos, estradas reais, pela terra adentro", ligando a várzea com a terra firme.
O capitão Altamirano, um dos cronistas da expedição Ursua-Aguirre, confirma a existência desses caminhos 20 anos depois de Orellana, com outros dados sobre uma povoação - uma fortaleza no alto do morro - "que para subir nela se subia por mais de 100 degraus que tinha cada escada feita no barranco".
Outro cronista de Ursua-Aguirre, o soldado Francisco Vasquez, descreve uma aldeia Omagua, no alto Solimões, "com dois bairros pequenos", cada um com 30 casas e em cada casa 50 a 60 índios, com mulheres e filhos, o que totaliza para os dois "bairros" mais de 20 mil índios. No relato de Ortiguera, próximo a Coari, Lopo de Aguirre encontra "casas grandes e redondas, de "vara en tierra", sem paredes, com duas portas, uma para o rio e outra para a floresta, com o teto chegando até o chão". Mais abaixo, no Punis, havia "casas grandes, amplas e quadradas". Encontraram também, em outra localidade, "casas em fila, uma ao lado da outra, prolongando-se pelo barranco do rio".
As relações sociais e a estrutura de parentesco determinaram formas de ocupação que surpreenderam os europeus. Acuna informa que as casas dos índios Yoriman, no Solimões, ocupavam mais de uma légua de extensão: "E como não vive em cada casa uma família só, como acontece ordinariamente em nossa Espanha, mas que pelo menos se abrigam debaixo de cada teto quatro ou cinco, e muitas vezes ainda mais, disso se poderá deduzir a multidão de toda esta aldeia".
O que fica claro nas descrições dos cronistas é que, apesar de uma certa uniformidade ecológica na várzea do rio Amazonas, as aldeias e casas diferiam umas das outras pelo tamanho, pela forma e pela concepção presente na maneira de organizá-las, demonstrado com isso que cada sociedade tribal adotou uma solução própria na ocupação de seu território.
Os viajantes perceberam, no entanto no meio das diferenças, algumas características comuns dessas culturas, denominadas por Berta Ribeira como "civilizações de palha". Rojas explica que "as casas e edifícios de todos os índios são de madeira, lavradas com curiosidade e cobertas de palha; não há nenhuma de pedra nem coberta de telhas".
Os trabalhos de etnografia realizados com grupo tribais da Amazônia que sobrevivem até hoje demonstram também que "o que há de comum, em todas essas sociedades, é o fato de que a organização espacial reflete uma concepção de sociedade que é, nitidamente, igualitária", conforme esclarece Sylvia Caiuby Novaes, organizadora do livro "Habitações Indígenas".
E dentro deste quadro mais amplo da Amazónia que se situa a região do rio Negro, onde se encontra hoje a atual cidade de Manaus..
II. RIO NEGRO: AS MALOCAS E AS MURALHAS
O primeira viajante europeu a passar pela foz do rio Negro foi Orellana, num sábado de junho de 1542, véspera da Santíssima Trindade quando os espanhóis invadiram uma povoação indígena ai localizada, saqueando e se abastecendo de alimentos, que existiam em abundância.
A povoação é descrita como estando situada "em uma lomba afastada do rio, fortificada por uma muralha de grossos troncos, com uma praça no meio". Ainda próximo à foz, Orellana encontrou outra aldeia de porte médio. "Havia lá uma praça muito grande e no meio da praça um grande pranchão de 10 pés em quadro, pintado e esculpido em relevo, figurando uma cidade murada, com a sua cerca e uma porta."
"Os que residem nas águas do rio Negro são grandes Províncias", afirma o padre Acuna, cem anos depois, ao navegar pela mesma foz, nominando a existência de pelo menos 12 nações diferentes.
A enorme quantidade de índios habitantes do rio Negro deixou os soldados portugueses da expedição de Pedro Teixeira excitados pela possibilidade de levá-los como escravos a Belém, no que foram impedidos por interferência do padre jesuíta espanhol.
Um dos militares portugueses presente neste episódio, Maurício de Heriarte, em relato posterior (1662), descreve a região do rio Negro como "terra mui grande e povoada": "He este rio povoado de inumerável gentio. Tem um principal na bocca, que fica nas duas Amazonas, que he como Rei, por nome Tabapari. Tem debaixo do seu domínio muitas aldeias de diversas nações e delias he obedecido com grande respeito".
Este povos que habitavam a região do rio Negro pertenciam, em sua grande maioria., ao tronco linguístico Aruak. Três deles se destacaram historicamente, enfrentando-se ao conquistador: os Manáo, que emprestarem o seu nome à atual capital do Amazonas, os Baré e os Tarumã.
As notícias mais seguras sobre os Manáo são do século XVII. Eles são chamados no relato de Acuna de Managús e Amanagús e trocavam com os Ybanomas e Yurimaguas adornos de ouro, obtidos em outras regiões, por ralos de mandioca e redes. Mais tarde (1686), outro jesuíta, o padre Samuel Fritz, confirma as informações e fornece mais detalhes.
Os Manáo constituíam o grupo étnico mais importante da área, habitando as duas margens do baixo rio Negro, desde a foz do rio Branco até a ilha Timoni No momento da invasão colonial pareciam estar em pleno processo de expansão territorial em direção ao Oeste, espalhando-se pela região do rio Japurá. Sua população foi estimada, já decrescida após os violentos choques armados com os portugueses no século XV11I, em mais de 10 mil almas.
Os Tarumã, visitados em 1657 pêlos jesuítas Francisco Veloso e Manoel Pires na primeira entrada histórica do vale do rio Negro, constituíam uma tribo pequena, assentada nas proximidades da atual cidade de Manaus, nos rios Tarumã e Ajurim, ambos afluentes esquerdos do baixo Negro. Eram conhecidos pêlos ralos de mandioca que fabricavam.
Os Baré dominavam a parte superior do rio Negro e ocupavam ainda uma área vizinha aos Manáo, situando-se mais acima da cidade de Moura, num território extenso "que abarcava grande população". Produziam bebidas fermentadas e em suas festas dançavam com o corpo pintado de jenipapo.
As informações sobre os padrões de povoamento das nações indígenas do rio Negro são muito escassas e estão dispersas na documentação oficial, que não é muito generosa sobre isso.
As habitações do povo Manáo eram em forma cônica e ali onde a população era mais densa, suas casas tinham parede de barro, provavelmente misturado com palha, já no período colonial, segundo informações de Métraux. Seus mortos, enrolados em redes eram enterrados em fossas cavadas dentro da própria habitação, contendo algumas delas, escavadas posteriormente, mais de 100 sepulturas.
Os Baré habitavam em grandes malocas, construídas com estacas verticais, provavelmente do tipo daquela vista por Heriarte na foz do rio Negro: "casas redondas fortificadas com estacadas como casas fortes". Em volta da aldeia estavam localizadas as roças, sendo cada maloca ocupada por diversas famílias nucleares. Em seu interior, ao longo das paredes, havia jiraus. Temos conhecimento da existência de casas retangulares, cilíndricas, cônicas, ovaladas e de aldeias em formato circular, retangular ou lineares, formadas por casas alinhadas ao longo do rio, como também de malocas comunais e multifamíliares - grande e única habitação que abrigava uma comunidade inteira.
O tipo de construção variava de acordo com o seu caráter mais ou menos temporário. Como esses povos praticavam a agricultura de coivara, existia uma grande mobilidade dentro do território tribal, mudando-se a localização da aldeia com uma certa regularidade.
A floresta funcionava como uma usina de produção de material de construção: as árvores forneciam madeira para os esteios, vigas, e travessões; as amarrações eram feitas por diferentes tipos de cipó e embira, abundantes na região, com o uso também dá técnica de encaixe, com paus escavados para melhor ajustamento, enquanto a cobertura era feita de folhas de variados tipos de palmeira. No entanto, era necessário conhecer, saber selecionar e trabalhar sobre esses elementos.
Dados também fragmentados nos dão indicações aqui e ali sobre a organização do espaço interno dessas habitações. Algumas generalizações talvez possam ser feitas: essas casas eram muito limpas e varridas, com temperatura ambiental agradável, permitindo a circulação de ar e a entrada maior ou menor de luz, de acordo com as necessidades do momento.
Na maioria das habitações, as redes são armadas em vigas e as cestas penduradas em estacas, contendo objetos de uso pessoal, que também eram guardados enfiados no teto.
Os critérios usados para determinar a localização de uma aldeia eram, entre outros: a existência próxima de matéria-prima para a construção das habitações, o tipo de solo para a agricultura, a proximidade de zonas de caça e pesca e de rios e igarapés que permitissem o uso da canoa — instrumento vital de deslocamento desses povos que era feito, prioritariamente, por água.
Alguns relatos, no entanto, dão conta da existência também de caminhos mais ou menos largos e limpos, ligando as aldeias às roças, e de caminhos mais estreitos — pequenas picadas e trilhas — que cortavam a parte da floresta circundante em diferentes sentidos, permitindo a ligação das aldeias com os igarapés, com os sítios de caça e pesca e com outras aldeias.
Essas informações, embora dispersas, sugerem algumas idéias sobre a forma como se movimentavam os índios, o modo como se relacionavam entre eles, o uso dado às suas habitações e o significado da aldeia e do território na vida desses povos.
Uma primeira dedução lógica permite sustentar que para muitas dessas sociedades tribais, a casa não era o ponto de referencia mais importante, não podendo portanto, ser compreendida em forma isolada do contexto da aldeia e do próprio território com os quais ela estava plenamente integrada.
Muitos povos do rio Negro usavam a casa apenas para comer e descansar, realizando a maioria das atividades fora dela, ampliando assim a própria noção do que era o espaço doméstico. Algumas exceções podem ser constatadas no caso de grandes habitações como as dos já citados Baré, ou as dos Tukano, que ainda vivem hoje no alto Uaupés, em cujo interior se desenvolviam muitas atividades cotidianas, o que levou esses índios a atribuir uma maior importância à habitação, manifestada através do seu requinte arquitetônico e decorativo, conforme observa Lux Vidal, no livro "Habitações Indígenas".
Em qualquer dos casos, o território indígena aparece sempre como um poderoso elemento de identidade que torna coeso o grupo e como um espaço integrado e único, não separando por grandes distâncias o local da moradia da roça, do igarapé e de outras áreas necessárias para atividades produtivas e de lazer. Essa concepção de organizar o território será profundamente abalada com a invasão dos portugueses.
A povoação é descrita como estando situada "em uma lomba afastada do rio, fortificada por uma muralha de grossos troncos, com uma praça no meio". Ainda próximo à foz, Orellana encontrou outra aldeia de porte médio. "Havia lá uma praça muito grande e no meio da praça um grande pranchão de 10 pés em quadro, pintado e esculpido em relevo, figurando uma cidade murada, com a sua cerca e uma porta."
"Os que residem nas águas do rio Negro são grandes Províncias", afirma o padre Acuna, cem anos depois, ao navegar pela mesma foz, nominando a existência de pelo menos 12 nações diferentes.
A enorme quantidade de índios habitantes do rio Negro deixou os soldados portugueses da expedição de Pedro Teixeira excitados pela possibilidade de levá-los como escravos a Belém, no que foram impedidos por interferência do padre jesuíta espanhol.
Um dos militares portugueses presente neste episódio, Maurício de Heriarte, em relato posterior (1662), descreve a região do rio Negro como "terra mui grande e povoada": "He este rio povoado de inumerável gentio. Tem um principal na bocca, que fica nas duas Amazonas, que he como Rei, por nome Tabapari. Tem debaixo do seu domínio muitas aldeias de diversas nações e delias he obedecido com grande respeito".
Este povos que habitavam a região do rio Negro pertenciam, em sua grande maioria., ao tronco linguístico Aruak. Três deles se destacaram historicamente, enfrentando-se ao conquistador: os Manáo, que emprestarem o seu nome à atual capital do Amazonas, os Baré e os Tarumã.
As notícias mais seguras sobre os Manáo são do século XVII. Eles são chamados no relato de Acuna de Managús e Amanagús e trocavam com os Ybanomas e Yurimaguas adornos de ouro, obtidos em outras regiões, por ralos de mandioca e redes. Mais tarde (1686), outro jesuíta, o padre Samuel Fritz, confirma as informações e fornece mais detalhes.
Os Manáo constituíam o grupo étnico mais importante da área, habitando as duas margens do baixo rio Negro, desde a foz do rio Branco até a ilha Timoni No momento da invasão colonial pareciam estar em pleno processo de expansão territorial em direção ao Oeste, espalhando-se pela região do rio Japurá. Sua população foi estimada, já decrescida após os violentos choques armados com os portugueses no século XV11I, em mais de 10 mil almas.
Os Tarumã, visitados em 1657 pêlos jesuítas Francisco Veloso e Manoel Pires na primeira entrada histórica do vale do rio Negro, constituíam uma tribo pequena, assentada nas proximidades da atual cidade de Manaus, nos rios Tarumã e Ajurim, ambos afluentes esquerdos do baixo Negro. Eram conhecidos pêlos ralos de mandioca que fabricavam.
Os Baré dominavam a parte superior do rio Negro e ocupavam ainda uma área vizinha aos Manáo, situando-se mais acima da cidade de Moura, num território extenso "que abarcava grande população". Produziam bebidas fermentadas e em suas festas dançavam com o corpo pintado de jenipapo.
As informações sobre os padrões de povoamento das nações indígenas do rio Negro são muito escassas e estão dispersas na documentação oficial, que não é muito generosa sobre isso.
As habitações do povo Manáo eram em forma cônica e ali onde a população era mais densa, suas casas tinham parede de barro, provavelmente misturado com palha, já no período colonial, segundo informações de Métraux. Seus mortos, enrolados em redes eram enterrados em fossas cavadas dentro da própria habitação, contendo algumas delas, escavadas posteriormente, mais de 100 sepulturas.
Os Baré habitavam em grandes malocas, construídas com estacas verticais, provavelmente do tipo daquela vista por Heriarte na foz do rio Negro: "casas redondas fortificadas com estacadas como casas fortes". Em volta da aldeia estavam localizadas as roças, sendo cada maloca ocupada por diversas famílias nucleares. Em seu interior, ao longo das paredes, havia jiraus. Temos conhecimento da existência de casas retangulares, cilíndricas, cônicas, ovaladas e de aldeias em formato circular, retangular ou lineares, formadas por casas alinhadas ao longo do rio, como também de malocas comunais e multifamíliares - grande e única habitação que abrigava uma comunidade inteira.
O tipo de construção variava de acordo com o seu caráter mais ou menos temporário. Como esses povos praticavam a agricultura de coivara, existia uma grande mobilidade dentro do território tribal, mudando-se a localização da aldeia com uma certa regularidade.
A floresta funcionava como uma usina de produção de material de construção: as árvores forneciam madeira para os esteios, vigas, e travessões; as amarrações eram feitas por diferentes tipos de cipó e embira, abundantes na região, com o uso também dá técnica de encaixe, com paus escavados para melhor ajustamento, enquanto a cobertura era feita de folhas de variados tipos de palmeira. No entanto, era necessário conhecer, saber selecionar e trabalhar sobre esses elementos.
Dados também fragmentados nos dão indicações aqui e ali sobre a organização do espaço interno dessas habitações. Algumas generalizações talvez possam ser feitas: essas casas eram muito limpas e varridas, com temperatura ambiental agradável, permitindo a circulação de ar e a entrada maior ou menor de luz, de acordo com as necessidades do momento.
Na maioria das habitações, as redes são armadas em vigas e as cestas penduradas em estacas, contendo objetos de uso pessoal, que também eram guardados enfiados no teto.
Os critérios usados para determinar a localização de uma aldeia eram, entre outros: a existência próxima de matéria-prima para a construção das habitações, o tipo de solo para a agricultura, a proximidade de zonas de caça e pesca e de rios e igarapés que permitissem o uso da canoa — instrumento vital de deslocamento desses povos que era feito, prioritariamente, por água.
Alguns relatos, no entanto, dão conta da existência também de caminhos mais ou menos largos e limpos, ligando as aldeias às roças, e de caminhos mais estreitos — pequenas picadas e trilhas — que cortavam a parte da floresta circundante em diferentes sentidos, permitindo a ligação das aldeias com os igarapés, com os sítios de caça e pesca e com outras aldeias.
Essas informações, embora dispersas, sugerem algumas idéias sobre a forma como se movimentavam os índios, o modo como se relacionavam entre eles, o uso dado às suas habitações e o significado da aldeia e do território na vida desses povos.
Uma primeira dedução lógica permite sustentar que para muitas dessas sociedades tribais, a casa não era o ponto de referencia mais importante, não podendo portanto, ser compreendida em forma isolada do contexto da aldeia e do próprio território com os quais ela estava plenamente integrada.
Muitos povos do rio Negro usavam a casa apenas para comer e descansar, realizando a maioria das atividades fora dela, ampliando assim a própria noção do que era o espaço doméstico. Algumas exceções podem ser constatadas no caso de grandes habitações como as dos já citados Baré, ou as dos Tukano, que ainda vivem hoje no alto Uaupés, em cujo interior se desenvolviam muitas atividades cotidianas, o que levou esses índios a atribuir uma maior importância à habitação, manifestada através do seu requinte arquitetônico e decorativo, conforme observa Lux Vidal, no livro "Habitações Indígenas".
Em qualquer dos casos, o território indígena aparece sempre como um poderoso elemento de identidade que torna coeso o grupo e como um espaço integrado e único, não separando por grandes distâncias o local da moradia da roça, do igarapé e de outras áreas necessárias para atividades produtivas e de lazer. Essa concepção de organizar o território será profundamente abalada com a invasão dos portugueses.
III. O DOIRADO COXIM E OS NOBRES MANAUS
"Ninguém sofre tormentos e dores, Nesta terra dos Nobres Manaus.
Todo povo é feliz, diz a História, Quando vê entre gozos sem fim, O
progresso passar junto à glória Em seu belo e doirado coxim". (Hino oficial de
Manaus).
Informações de viajantes dão conta da "excelência da tenra", do "salubérrimo ar", da "suavíssima temperatura"— nem quente nem frio — e sobretudo da "pureza das águas" e do "infinito número de água fresca" na área onde hoje está situada a cidade de Manaus, que era toda ela cortada por igarapés, ocupando um lugar estratégico no coração da floresta amazônica.
"Não poderia ter sido mais felizmente escolhido" o local para fundar um núcleo populacional, segundo Spix e Martius que visitaram a região muito mais tarde (1819), e elogiaram "a majestosa tranquilidade do clima equatorial que proporciona manhãs frescas e noites serenas". Não foram, no entanto, os igarapés e o clima os elementos que mais atraíram os portugueses, mas o fato de se tratar de um território densamente povoado por índios, e que, pela sua localização geográfica, permitia o controle do recrutamento da mão-de-obra de toda a vasta região do Negro, além de servir de apoio logístico para as tropas de descimentos, resgates e "guerras justas" que penetravam os rios Madeira e Japurá e avançavam Solimões acima, ultrapassando inclusive as fronteiras atuais do Peru e da Colômbia, com a finalidade de escravizar índios.
Neste sentido, podemos generalizar a conclusão do historiador argentino Jorge Hardoy, quando afirma, em entrevista publicada na "AU" (n° 9), que "existe uma continuidade espacial entre o que se constrói e o que havia anteriormente", ao referir-se à fundação das cidades espanholas na América, sempre ao lado de locais onde havia concentração maior de índios.
O jesuíta espanhol Acima, depois de passar pela foz do "povoadíssimo" rio Negro aconselha: "Há em sua foz bons sítios para fortalezas, e muita pedra para fabricá-las, com que se poderá defender a entrada ao inimigo que quizer ir por ele ao principal".
O militar português, que participou da mesma viagem de Acima, em informe ao rei de Portugal, anos depois, sugere: "Povoando-se este rio de portugueses se pode fazer um império e senhorear todo o (rio) das Amazonas e mais rios".
Desta forma, espanhóis e portugueses chamaram a atenção de seus respectivos monarcas sobre o rio Negro. No entanto, os portugueses, rompendo o Tratado de Tordesilhas, chegaram antes dos espanhóis. Entre 1657 e 1661, os jesuítas comandaram várias tropas anuais de resgates, descendo mais de 5 mil índios do rio Negro para Belém, depois de estabelecerem um arraial provisório — "um curral de índios"— na boca do rio Tarumã, afluente do Negro (1657).
Esses índios encurralados no arraial, provavelmente com outros trazidos do Xingu, serviram como mão-de-obra para a construção da Fortaleza de São José do Rio Negro (1669), ao redor da qual se iria constituir um núcleo populacional denominado de "Lugar da Barra", onde logo depois seria erguida uma ermida coberta de palha, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.
A fortaleza, que deu origem à atual cidade de Manaus, foi construída em cima de um cemitério indígena — feto sugestivo, carregado de simbolismo que, como imagem, sintetiza por si só todo o processo colonial. O forte era "uma obra rústica, de forma quadrangular", sem fosso, feito primeiro de barro, madeira e taipa socada e depois de pedra e barro, com uma das faces para o rio. Dele não existe hoje o menor vestígio, sendo o seu local, na zona portuária, ocupado por um edifício onde funcionou a Secretaria de Fazenda.
O forte de São José do Rio Negro acabou exercendo um papel fundamental no reordenamento do espaço amazônico, porque significou o início de uma forma de ocupação que negava as formas anteriores e só podia efetivar-se com a destruição daquilo que existia antes.
As habitações e aldeias existentes na área foram invadidas, saqueadas queimadas e seus habitantes, aprisionados, foram escravizados na plantação de tabaco, algodão e cana-de-açúcar das proximidades de Belém ou então conduzidos para as chamadas "aldeias de repartição", sendo alugados durante a metade do ano para os colonos e para as obras públicas ou para as atividades de coleta das chamadas "drogas do sertão".
Durante mais de um século em que esteve oficialmente vigente a escravidão indígena na Amazônia, os portugueses usaram a região do rio Negro como um celeiro, onde vinham permanentemente se abastecer de índios para substituir aqueles que morriam devido ao sistema de trabalho colonial que não se preocupava com â reprodução de sua força de trabalho.
O padre João Daniel, um jesuíta que morreu na prisão em Lisboa, viveu mais de 15 anos na Amazônia e testemunhou que os índios "morriam como moscas". Ele calculou em mais de 2 milhões os índios exterminados só na região do rio Negro, no período de pouco mais de um século. Os demógrafos da Escola de Berkeley, que retomam esse tipo de cifra criticamente, não hesitam, no entanto, em classificar esse processo como "uma das maiores catástrofes demográficas da História da Humanidade".
A intervenção desastrada dos portugueses na região produzia o mesmo efeito que uma bomba de detefon em uma cozinha infestada de baratas. As respostas dos índios foram as mais variadas, reagindo muitas vezes sem um direcionamento preciso.
Os Manáo resistiram à invasão de seu território com armas na mão, até serem completamente varridos do mapa, confirmando um mito da tribo de que o mundo — pelo menos, o seu mundo — seria destruído por um grande fogo. Na segunda década do século XVÏÏÏ, num momento de escassez de mão-de-obra em Belém, eles foram quase completamente exterminados por uma tropa de "guerra justa" dos portugueses que aprisionou uma grande quantidade de escravos. O seu líder Ajuricaba, feito prisioneiro, morreu afogado no rio Negro, em circunstâncias duvidosas. A versão oficial foi de suicídio. Já reduzidos, em 1757, liderados por um índio chamado Domingos, eles iniciam nova rebelião e são igualmente derrotados. No início do século XIX. Martius (1819) ainda encontra um pequeno núcleo dos Ore-Manáo ou Ere-Manáo na margem esquerda do rio Padauiri. Hoje, não sobrou nenhum para contar a história, desconhecida pela população da cidade que herdou o seu nome.
Os Tarumã trocaram as armas pelo diálogo, caindo inicialmente na conversa dos missionários. Eles aceitaram abandonar pacificamente as suas casas para viverem no aldeamento português do Lugar da Barra, construído ao redor da fortaleza. Logo depois, Pedro da Costa Favela, para escravizá-los, realizou expedição punitiva, dizimando-os. Os que escaparam se reorganizaram e promoveram uma "grande marcha"de mais de 3 mil km e quase um século até atingir o ponto final de chegada, num dos episódios mais comoventes de migração indígena forcada. Eles fugiram, subiram o rio Negro — homens, mulheres e crianças — carregando suas tralhas, redes e xerimbabos. Entraram pelo rio Branco e desapareceram do mapa do Brasil, com os seus sofisticados ralos de mandioca. Foram considerados extintos. Em 1837, no entanto, o viajante e naturalista alemão, sir Robert Schomburgk, encontrou aproximadamente 500 membros da tribo Tarumã ao longo dos rios Essequibo e Cuyuwini, na Guiana Inglesa A última notícia deles, que deram o nome a uma das cachoeiras mais bonitas dos arredores da atual cidade de Manaus, frequentada como balneário aos domingos — data de 1916, lá na mesma Guiana Britânica. Eram 150 índios, segundo informações do linguista Cestmir Loukotka.
Os Baré realizaram uma longa caminhada semelhante à dos Tarumã, subindo o rio Negro, entrando pelo canal do Cassiquiari e penetrando na bacia do rio Orenoco, na Venezuela. Foram considerados extintos por Darcy Ribeiro. Mas hoje eles continuam vivos e estão localizados no Território Federal Amazonas, Departamento do rio Negro, na Venezuela. A Universidade Central de Caracas elaborou um "Projeto de Revitalização do idioma Baré", nos anos 1970, com o objetivo de estimular os 15 ou 20 índios Baré com mais de 60 anos que ainda falam o idioma a ensinarem os mais novos que só falam espanhol. O projeto previa ainda a criação de um Museu Baré, em São Carlos do Rio Negro.
Para a população que habita hoje o antigo território Baré, na área da atual cidade de Manaus, esse nome "baré" é apenas uma marca de um guaraná, produzido industrialmente, figurando ainda no hino dedicado à cidade, talvez porque seja uma rima fácil com igarapé. Nos anos 1950, uma grosseira imitação de sua habitação foi erguida na área portuária, denominada de "Maloca dos Bares", centro de apresentação de shows de artistas locais e do Rio de Janeiro. Esta "maloca" também foi destruída.
Com os Manáo, Tarumã e Baré desaparece também uma determinada visão de mundo e diferentes concepções que esses povos tinham sobre a forma ideal de vida num espaço como o rio Negro, concepções que influíram no modo como o território foi ocupado, o espaço modelado e as habitações construídas.
Todo povo é feliz, diz a História, Quando vê entre gozos sem fim, O
progresso passar junto à glória Em seu belo e doirado coxim". (Hino oficial de
Manaus).
Informações de viajantes dão conta da "excelência da tenra", do "salubérrimo ar", da "suavíssima temperatura"— nem quente nem frio — e sobretudo da "pureza das águas" e do "infinito número de água fresca" na área onde hoje está situada a cidade de Manaus, que era toda ela cortada por igarapés, ocupando um lugar estratégico no coração da floresta amazônica.
"Não poderia ter sido mais felizmente escolhido" o local para fundar um núcleo populacional, segundo Spix e Martius que visitaram a região muito mais tarde (1819), e elogiaram "a majestosa tranquilidade do clima equatorial que proporciona manhãs frescas e noites serenas". Não foram, no entanto, os igarapés e o clima os elementos que mais atraíram os portugueses, mas o fato de se tratar de um território densamente povoado por índios, e que, pela sua localização geográfica, permitia o controle do recrutamento da mão-de-obra de toda a vasta região do Negro, além de servir de apoio logístico para as tropas de descimentos, resgates e "guerras justas" que penetravam os rios Madeira e Japurá e avançavam Solimões acima, ultrapassando inclusive as fronteiras atuais do Peru e da Colômbia, com a finalidade de escravizar índios.
Neste sentido, podemos generalizar a conclusão do historiador argentino Jorge Hardoy, quando afirma, em entrevista publicada na "AU" (n° 9), que "existe uma continuidade espacial entre o que se constrói e o que havia anteriormente", ao referir-se à fundação das cidades espanholas na América, sempre ao lado de locais onde havia concentração maior de índios.
O jesuíta espanhol Acima, depois de passar pela foz do "povoadíssimo" rio Negro aconselha: "Há em sua foz bons sítios para fortalezas, e muita pedra para fabricá-las, com que se poderá defender a entrada ao inimigo que quizer ir por ele ao principal".
O militar português, que participou da mesma viagem de Acima, em informe ao rei de Portugal, anos depois, sugere: "Povoando-se este rio de portugueses se pode fazer um império e senhorear todo o (rio) das Amazonas e mais rios".
Desta forma, espanhóis e portugueses chamaram a atenção de seus respectivos monarcas sobre o rio Negro. No entanto, os portugueses, rompendo o Tratado de Tordesilhas, chegaram antes dos espanhóis. Entre 1657 e 1661, os jesuítas comandaram várias tropas anuais de resgates, descendo mais de 5 mil índios do rio Negro para Belém, depois de estabelecerem um arraial provisório — "um curral de índios"— na boca do rio Tarumã, afluente do Negro (1657).
Esses índios encurralados no arraial, provavelmente com outros trazidos do Xingu, serviram como mão-de-obra para a construção da Fortaleza de São José do Rio Negro (1669), ao redor da qual se iria constituir um núcleo populacional denominado de "Lugar da Barra", onde logo depois seria erguida uma ermida coberta de palha, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.
A fortaleza, que deu origem à atual cidade de Manaus, foi construída em cima de um cemitério indígena — feto sugestivo, carregado de simbolismo que, como imagem, sintetiza por si só todo o processo colonial. O forte era "uma obra rústica, de forma quadrangular", sem fosso, feito primeiro de barro, madeira e taipa socada e depois de pedra e barro, com uma das faces para o rio. Dele não existe hoje o menor vestígio, sendo o seu local, na zona portuária, ocupado por um edifício onde funcionou a Secretaria de Fazenda.
O forte de São José do Rio Negro acabou exercendo um papel fundamental no reordenamento do espaço amazônico, porque significou o início de uma forma de ocupação que negava as formas anteriores e só podia efetivar-se com a destruição daquilo que existia antes.
As habitações e aldeias existentes na área foram invadidas, saqueadas queimadas e seus habitantes, aprisionados, foram escravizados na plantação de tabaco, algodão e cana-de-açúcar das proximidades de Belém ou então conduzidos para as chamadas "aldeias de repartição", sendo alugados durante a metade do ano para os colonos e para as obras públicas ou para as atividades de coleta das chamadas "drogas do sertão".
Durante mais de um século em que esteve oficialmente vigente a escravidão indígena na Amazônia, os portugueses usaram a região do rio Negro como um celeiro, onde vinham permanentemente se abastecer de índios para substituir aqueles que morriam devido ao sistema de trabalho colonial que não se preocupava com â reprodução de sua força de trabalho.
O padre João Daniel, um jesuíta que morreu na prisão em Lisboa, viveu mais de 15 anos na Amazônia e testemunhou que os índios "morriam como moscas". Ele calculou em mais de 2 milhões os índios exterminados só na região do rio Negro, no período de pouco mais de um século. Os demógrafos da Escola de Berkeley, que retomam esse tipo de cifra criticamente, não hesitam, no entanto, em classificar esse processo como "uma das maiores catástrofes demográficas da História da Humanidade".
A intervenção desastrada dos portugueses na região produzia o mesmo efeito que uma bomba de detefon em uma cozinha infestada de baratas. As respostas dos índios foram as mais variadas, reagindo muitas vezes sem um direcionamento preciso.
Os Manáo resistiram à invasão de seu território com armas na mão, até serem completamente varridos do mapa, confirmando um mito da tribo de que o mundo — pelo menos, o seu mundo — seria destruído por um grande fogo. Na segunda década do século XVÏÏÏ, num momento de escassez de mão-de-obra em Belém, eles foram quase completamente exterminados por uma tropa de "guerra justa" dos portugueses que aprisionou uma grande quantidade de escravos. O seu líder Ajuricaba, feito prisioneiro, morreu afogado no rio Negro, em circunstâncias duvidosas. A versão oficial foi de suicídio. Já reduzidos, em 1757, liderados por um índio chamado Domingos, eles iniciam nova rebelião e são igualmente derrotados. No início do século XIX. Martius (1819) ainda encontra um pequeno núcleo dos Ore-Manáo ou Ere-Manáo na margem esquerda do rio Padauiri. Hoje, não sobrou nenhum para contar a história, desconhecida pela população da cidade que herdou o seu nome.
Os Tarumã trocaram as armas pelo diálogo, caindo inicialmente na conversa dos missionários. Eles aceitaram abandonar pacificamente as suas casas para viverem no aldeamento português do Lugar da Barra, construído ao redor da fortaleza. Logo depois, Pedro da Costa Favela, para escravizá-los, realizou expedição punitiva, dizimando-os. Os que escaparam se reorganizaram e promoveram uma "grande marcha"de mais de 3 mil km e quase um século até atingir o ponto final de chegada, num dos episódios mais comoventes de migração indígena forcada. Eles fugiram, subiram o rio Negro — homens, mulheres e crianças — carregando suas tralhas, redes e xerimbabos. Entraram pelo rio Branco e desapareceram do mapa do Brasil, com os seus sofisticados ralos de mandioca. Foram considerados extintos. Em 1837, no entanto, o viajante e naturalista alemão, sir Robert Schomburgk, encontrou aproximadamente 500 membros da tribo Tarumã ao longo dos rios Essequibo e Cuyuwini, na Guiana Inglesa A última notícia deles, que deram o nome a uma das cachoeiras mais bonitas dos arredores da atual cidade de Manaus, frequentada como balneário aos domingos — data de 1916, lá na mesma Guiana Britânica. Eram 150 índios, segundo informações do linguista Cestmir Loukotka.
Os Baré realizaram uma longa caminhada semelhante à dos Tarumã, subindo o rio Negro, entrando pelo canal do Cassiquiari e penetrando na bacia do rio Orenoco, na Venezuela. Foram considerados extintos por Darcy Ribeiro. Mas hoje eles continuam vivos e estão localizados no Território Federal Amazonas, Departamento do rio Negro, na Venezuela. A Universidade Central de Caracas elaborou um "Projeto de Revitalização do idioma Baré", nos anos 1970, com o objetivo de estimular os 15 ou 20 índios Baré com mais de 60 anos que ainda falam o idioma a ensinarem os mais novos que só falam espanhol. O projeto previa ainda a criação de um Museu Baré, em São Carlos do Rio Negro.
Para a população que habita hoje o antigo território Baré, na área da atual cidade de Manaus, esse nome "baré" é apenas uma marca de um guaraná, produzido industrialmente, figurando ainda no hino dedicado à cidade, talvez porque seja uma rima fácil com igarapé. Nos anos 1950, uma grosseira imitação de sua habitação foi erguida na área portuária, denominada de "Maloca dos Bares", centro de apresentação de shows de artistas locais e do Rio de Janeiro. Esta "maloca" também foi destruída.
Com os Manáo, Tarumã e Baré desaparece também uma determinada visão de mundo e diferentes concepções que esses povos tinham sobre a forma ideal de vida num espaço como o rio Negro, concepções que influíram no modo como o território foi ocupado, o espaço modelado e as habitações construídas.
IV. LUGAR DA BARRA: O "CURRAL DE ÍNDIOS"
Protegida pela Senhora da Conceição — em sua capela de palha e chão batido, e por São José — o da fortaleza de barro, madeira e taipa, com seus quatro canhões de calibre 1/3, o Lugar da Barra foi se estruturando contra os interesse de sua população, os sobreviventes de várias nações de línguas diferentes, que eram laçados e trazidos à força do Solimões, do Madeira, do Japurá e do próprio rio Negro.
O crescimento do lugar dependia, portanto do despovoamento de outras áreas, mas parte considerável de sua população era transitória, na medida em que o Lugar da Barra não passava de um "curral de índios", que eram aí amontoados à espera de serem levados para Belém como escravos, ou alugados quando "livres", para a coleta das "drogas do sertão".
As grandes habitações cônicas e as casas redondas fortificadas e multífamiliares, incendiadas pêlos portugueses, foram substituídas por pequenas palhoças unifamiliares. A divisão interna também sofreu modificações com a redução do tamanho das casas.
Com um pouco mais de um século de vida, o Lugar da Barra continuava constituído por casas de palha e uma população reduzida de 220 índios, 34 brancos e dois negros escravos, segundo levantamento feito pelo ouvidor Sampaio (1778). Alguns anos depois (1786), Alexandre Rodrigues Ferreira contou, em censo que realizou, 301 moradores distribuídos por 40 fogos, sendo 47 brancos, 243 índios e 11 escravos negros.
Durante nove anos o Lugar da Barra foi sede da Capitania do Rio Negro (1791-1799), voltando a recuperar esse status em 1808, sem que isto houvesse alterado o seu traçado e a sua paisagem.
No início do século passado, suas casas de beirais escorridos, mesmo aquelas de melhor aparência, possuíam janelas de urupema, isso é, guarnecidas de peneira. As ruelas e becos eram passagens estreitas, escuras, tortuosas, desniveladas, e esburacadas, cobertas pelo matagal, onde até o gado e os porcos tinham dificuldade de se locomover. Elas não conduziam em seu traçado irregular a nenhum lugar. Não existia comércio, bares, associações ou qualquer outro tipo de vida social, levando o estudioso Mário Ypiranga a concluir que a Barra "não teve a rua como elemento civilizador".
No final do período colonial e mesmo após, quando passou à categoria de vila (1832), com a denominação de Manaus, o núcleo populacional fundado pêlos portugueses permanecia uma aldeia rural, imprensada entre o igarapé de São Raimundo e o do Espírito Santo, que só eram ultrapassados através de algumas trilhas que ligavam a vila com as rocas e plantações existentes em seus arredores, copiando mal os padrões indígenas. Os igarapés eram cruzados em canoas ou através de pontes improvisadas.
Quando os portugueses perderam o controle político, com a adesão do Pará à Independência do Brasil, em 1823, deixaram uma região demografícamente esvaziada e, no lugar das grandes habitações cónicas, palhoças de uma aldeia rural despersonalizada, onde quase 80% da população era composta de índios destribalizados e mestiços que não falavam a língua portuguesa como língua materna, com sérios problemas de identidade, e onde a qualidade de vida havia em muito se degradado. Não sobrou, desse período, um só edifício ou monumento colonial, nem sequer em ruínas, que testemunhasse o processo.
O crescimento do lugar dependia, portanto do despovoamento de outras áreas, mas parte considerável de sua população era transitória, na medida em que o Lugar da Barra não passava de um "curral de índios", que eram aí amontoados à espera de serem levados para Belém como escravos, ou alugados quando "livres", para a coleta das "drogas do sertão".
As grandes habitações cônicas e as casas redondas fortificadas e multífamiliares, incendiadas pêlos portugueses, foram substituídas por pequenas palhoças unifamiliares. A divisão interna também sofreu modificações com a redução do tamanho das casas.
Com um pouco mais de um século de vida, o Lugar da Barra continuava constituído por casas de palha e uma população reduzida de 220 índios, 34 brancos e dois negros escravos, segundo levantamento feito pelo ouvidor Sampaio (1778). Alguns anos depois (1786), Alexandre Rodrigues Ferreira contou, em censo que realizou, 301 moradores distribuídos por 40 fogos, sendo 47 brancos, 243 índios e 11 escravos negros.
Durante nove anos o Lugar da Barra foi sede da Capitania do Rio Negro (1791-1799), voltando a recuperar esse status em 1808, sem que isto houvesse alterado o seu traçado e a sua paisagem.
No início do século passado, suas casas de beirais escorridos, mesmo aquelas de melhor aparência, possuíam janelas de urupema, isso é, guarnecidas de peneira. As ruelas e becos eram passagens estreitas, escuras, tortuosas, desniveladas, e esburacadas, cobertas pelo matagal, onde até o gado e os porcos tinham dificuldade de se locomover. Elas não conduziam em seu traçado irregular a nenhum lugar. Não existia comércio, bares, associações ou qualquer outro tipo de vida social, levando o estudioso Mário Ypiranga a concluir que a Barra "não teve a rua como elemento civilizador".
No final do período colonial e mesmo após, quando passou à categoria de vila (1832), com a denominação de Manaus, o núcleo populacional fundado pêlos portugueses permanecia uma aldeia rural, imprensada entre o igarapé de São Raimundo e o do Espírito Santo, que só eram ultrapassados através de algumas trilhas que ligavam a vila com as rocas e plantações existentes em seus arredores, copiando mal os padrões indígenas. Os igarapés eram cruzados em canoas ou através de pontes improvisadas.
Quando os portugueses perderam o controle político, com a adesão do Pará à Independência do Brasil, em 1823, deixaram uma região demografícamente esvaziada e, no lugar das grandes habitações cónicas, palhoças de uma aldeia rural despersonalizada, onde quase 80% da população era composta de índios destribalizados e mestiços que não falavam a língua portuguesa como língua materna, com sérios problemas de identidade, e onde a qualidade de vida havia em muito se degradado. Não sobrou, desse período, um só edifício ou monumento colonial, nem sequer em ruínas, que testemunhasse o processo.
V. A TAPERA DE MANAUS
No ano de 1850, o Amazonas foi elevado à categoria de Província, separando-se do Pará. Dois anos antes, a vila de Manaus passara a ser denominada Cidade da Barra do Rio Negro, recebendo a denominação definitiva de Cidade de Manaus em 1856. Era a capital da nova província.
A cidade contava nesta época com quatro mil habitantes e 243 casas, das quais a metade — 122 — era de palha. Uma praça e 16 ruas. As casas eram pequenas para conter os seus habitantes. O aluguel era muito caro.
Os viajantes que passaram por Manaus no período de 1850 a 1880 deixaram depoimentos eloquentes sobre a paisagem "urbana" da "cidade".
Alfred Wallace (1850) queixa-se das ruas "onduladas e cheias de buracos, o que toma a caminhada sobre os seus leitos muito desagradável". Agassiz (1865) define a capital da Província como "uma pequena reunião de casas, a metade das quais prestes a cair em ruínas", e narra a sua participação, ao lado de Elisabeth Agassiz, em uma festa noturna oficial, quando os convidados, na ausência de carruagens, todos enfatiotados, foram obrigados a atravessar aos pulos as ruas enlameadas e escuras sob a luz exclusiva de uma lanterna.
O engenheiro Franz Keller (1867) ironiza: "A despeito de seu pomposo título — Capital da Província do Amazonas — Manaus é uma cidadezinha insignificante de uns 3 mil habitantes. Ruas sem calçamento e pessimamente niveladas, casas baixas e cabanas de construção a mais primitiva sem nenhum cuidado de beleza arquitetônica".
O armador, precursor dos urbanistas, encarregado de marcar os limites dos bairros e o alinhamento das casas, passa a desempenhar um papel ainda que tímido neste período, conforme mostra com muita propriedade Mário Ypiranga.
Algumas ruas novas e um pouco mais compridas começam a surgir em direção ao norte e, apesar da ausência de luz pública, a iluminação particular à base de manteiga de tartaruga se faz presente em algumas residências. As peneiras das janelas começam lentamente a ser substituídas por grades. Mas, até quase o final do século, a cidade continua com o título de "Tapera de Manaus", que só mudaria para "Paris dos Trópicos" com o governador Eduardo Ribeiro que, a partir de 1892, tem um papel importante na transformação da cidade, elaborando um plano para coordenar o seu crescimento e iniciando a sua execução.
A cidade contava nesta época com quatro mil habitantes e 243 casas, das quais a metade — 122 — era de palha. Uma praça e 16 ruas. As casas eram pequenas para conter os seus habitantes. O aluguel era muito caro.
Os viajantes que passaram por Manaus no período de 1850 a 1880 deixaram depoimentos eloquentes sobre a paisagem "urbana" da "cidade".
Alfred Wallace (1850) queixa-se das ruas "onduladas e cheias de buracos, o que toma a caminhada sobre os seus leitos muito desagradável". Agassiz (1865) define a capital da Província como "uma pequena reunião de casas, a metade das quais prestes a cair em ruínas", e narra a sua participação, ao lado de Elisabeth Agassiz, em uma festa noturna oficial, quando os convidados, na ausência de carruagens, todos enfatiotados, foram obrigados a atravessar aos pulos as ruas enlameadas e escuras sob a luz exclusiva de uma lanterna.
O engenheiro Franz Keller (1867) ironiza: "A despeito de seu pomposo título — Capital da Província do Amazonas — Manaus é uma cidadezinha insignificante de uns 3 mil habitantes. Ruas sem calçamento e pessimamente niveladas, casas baixas e cabanas de construção a mais primitiva sem nenhum cuidado de beleza arquitetônica".
O armador, precursor dos urbanistas, encarregado de marcar os limites dos bairros e o alinhamento das casas, passa a desempenhar um papel ainda que tímido neste período, conforme mostra com muita propriedade Mário Ypiranga.
Algumas ruas novas e um pouco mais compridas começam a surgir em direção ao norte e, apesar da ausência de luz pública, a iluminação particular à base de manteiga de tartaruga se faz presente em algumas residências. As peneiras das janelas começam lentamente a ser substituídas por grades. Mas, até quase o final do século, a cidade continua com o título de "Tapera de Manaus", que só mudaria para "Paris dos Trópicos" com o governador Eduardo Ribeiro que, a partir de 1892, tem um papel importante na transformação da cidade, elaborando um plano para coordenar o seu crescimento e iniciando a sua execução.
VI. A "PARIS DOS TRÓPICOS"
As indústrias dos Estados Unidos e da Europa necessitavam cada vez mais da borracha como matéria-prima e o Amazonas — seu principal produtor — orienta toda a sua economia para atender á crescente demanda.
Milhares de nordestinos fugindo da seca e do sistema de propriedade de terras do Nordeste são canalizadas em direção aos seringais, usando Manaus como ponte entre a terra natal e a floresta. Muitos deles se fixam na cidade, onde fornecerão a principal energia para as obras públicas. Somados à imigração em escala muito menor de estrangeiros, eles proporcionarão à cidade um crescimento demográfico espetacular, pulando de 5 mil em 1870 para 20.568 habitantes em 1890 e daí para 30.757 em 1900, ultrapassando em 1907 mais de 60 mil. Os nordestinos, portadores da língua portuguesa, vão mudar a composição majoritariamente indígena da cidade. Manaus, embora sem ler e escrever, passa a falar português, enquanto sua elite orgulha-se de falar francês.
A inserção da Amazônia na nova divisão internacional do trabalho exigiu mudanças significativas em Manaus, para que a cidade pudesse servir com eficiência os seus novos donos, que se encarregam diretamente de promover essas transformações de acordo com os seus interesses, que nem sempre coincidiam com os interesses do conjunto da população.
Neste período, com o concurso do capital, da tecnologia e das empresas inglesas são instalados os serviços públicos. Manaus é dotada de um sistema portuário moderno, de serviços de água encanada, esgoto e luz elétrica, de um sistema de coleta e disposição de lixo, de serviço telefônico e de uma linha telegráfica subfluvial.
Uma febre de construção toma conta da cidade, varrendo tudo aquilo que podia evocar os povos indígenas. Erguem-se prédios públicos monumentais como o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça — hoje marcos referenciais da cidade —, a Biblioteca Pública, a Alfândega, a Penitenciária, e as instalações do porto flutuante. Surgem estabelecimentos bancários e lojas com os nomes "exóticos" de "Louvre", “Au bon marche", "A Ia ville de Paris", além de alguma residências majestosas, vilas, palacetes, bares, restaurantes, hotéis e cabarés, contendo em seu interior móveis e tapetes europeus, pianos alemães, jarras de Sèvres e louça de Limoges.
Sobradões portugueses usam azulejos de inspiração colonial para o seu revestimento externo, alguns com motivos que se tornavam completos apenas com 16 peças. Sobradinhos apresentam gradis na entrada e beirais de chumbo com motivos florais trabalhados e rebuscados. Escadarias de mármore italiano, portas e janelas mouriscas, balcões gradeados, amplas varandas cobertas com beirais de chumbo trabalhado, biqueiras de bronze, estatuetas de louça branca vão dominando pouco a pouco a paisagem do centro da cidade. E realmente a "glória" e o "progresso" passando em seu "belo e doirado coxim" como canta o Hino Municipal composto na época (1906).
O plano executado no governo Eduardo Ribeiro e de seus sucessores nivelou ruas, projetou novas avenidas e boulevards, alinhou e calcou as principais vias, construiu praças e jardins, instalando neles coretos, estátuas, fontes e chafarizes importados da Europa. Se não removeu montanhas, arrasou morros, aterrando com eles diversos igarapés como o do Espírito Santo e do Aterro, transformados nas duas principais avenidas da cidade até os dias de hoje. No caso dos igarapés maiores, foram construídas pontes de pedras e ferro para permitir que a cidade se espalhasse além deles. A cidade deu as costas ao rio e expandiu-se em direção ao norte e à leste. As antigas picadas que levavam às roças, transformadas depois em estradas, viraram avenidas, como a Sete de Setembro e a Epaminondas.
O prof°. Bradford Burns, da Universidade de Miami, que estudou esse período, considera que, em 1910, "Manaus alardeava com orgulho todas as civilidades de qualquer cidade européia de seu tamanho ou mesmo maior".
Miranda Correia, em seu "Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro", define a nova paisagem arquitetônica como uma variação entre "um neoclássico um tanto romantizado até às inovações do art-nouveau". Para Mário Ypiranga, na "Fundação de Manaus", trata-se de um estilo arquitetônico "insolente e apressado", arremedo entre outros do isabelino, do árabe, do espanhol e do português.
O processo de urbanização de Manaus durante o período do "ciclo da borracha", não teve, no entanto, apenas o caráter idílico emprestado a ele por alguns autores, que fazem a apologia da dependência ao capital estrangeiro e consideram nostalgicamente que qualquer tempo passado foi melhor. O traçado urbano de Manaus, na realidade, foi se ordenando em função de privilégios de fortuna de uma minoria. Portanto, ao exaltar o boom da borracha, sem qualquer visão crítica, exalta-se também a opressão de que se nutria a opulência dourada.
O escritor Márcio Souza, analisando este período, afirma: "Manaus foi a primeira construção KTTSCH brasileira, uma cidade às sonho e delírio (...) que não é verdadeiramente cidade, mas decoração, cenografia, palco ideal para a reificação colonialista".
O "progresso" só passou em seu belo e dourado coxim para alguns: uma minoria. Para a maioria da população — justamente aquela que construiu a cidade — significou um degradamento das condições e da qualidade de vida.
O Cadastro Predial de Manaus, publicado no "Mensáno de Estatística (n° 31) revela isso: na época em que Manaus tinha um total de 10.358 casas, menos da metade era de alvenaria, enquanto 5.710 casas foram colocadas na categoria de casebres, estâncias, barracões e casas de taipa ou de madeira.
O sociólogo André Araújo, que desde 1919 se preocupou com a questão da habitação no Amazonas, aplicou questionários, levantando dados sobre aproximadamente 2 mil casas de onze bairros pobres de Manaus. O seu trabalho revelou que a "Paris dos Trópicos", ao procurar negar a sua identidade para buscá-la "no outro", não percebeu que estava cercada por uma "banlieu" de nordestinos famélicos e índios destribalizados e tristes, morando em infectos mocambos.
Mais de 60% das casas eram de taipa nua, cobertas de zinco ou de palha, pequenas, de chão batido e socado, sujas. Igual porcentagem ratava localizada perto de charcos, igarapés, rios e alagadiços, sem qualquer urbanização, sem esgoto, sendo invadida periodicamente pelas águas. A maioria dessas casas possuía um só quarto, mas abrigava de sete a nove pessoas, dormindo em redes, uns sobre os outros, sem água encanada. A cidade, portanto, continuava sendo erigida contra os interesses da população, amontoada em casas úmidas no inverno e quentes no verão, pouco arejadas.
As duas Manaus — a dourada e a favelada — sofreram as consequências da crise da borracha, que mergulhou a cidade no marasmo. Durante a guerra de 1914-1918 e no período seguinte, com a depressão econômica, "mais de um milhar de prédios residenciais foram desalugados", criando a imagem de uma cidade-fantasma, conforme informações de um ex-prefeito, Agnello Bittencourt, em seu livro: "Fundação de Manaus: pródromos e sequência".
Os edifícios e os diferentes serviços públicos começaram a entrar em ruínas, sem que os seus proprietários ou o Estado pudessem mantê-los de pé. Sobraram deste período pelo menos 250 unidade inventariadas recentemente pela Representação da Fundação Pró-Memória em Manaus, que foram consideradas (te interesse para a preservação. Tombados oficialmente pelo Patrimônio Histórico existem apenas o Teatro Amazonas (1966), o Reservatório do Mocó (1985), o Mercado Público (1986) e o Conjunto do Porto de Manaus (janeiro 1987). A Zona Franca de Manaus vai acelerar o processo de demolição dos prédios construídos no período "dourado" da borracha.
Milhares de nordestinos fugindo da seca e do sistema de propriedade de terras do Nordeste são canalizadas em direção aos seringais, usando Manaus como ponte entre a terra natal e a floresta. Muitos deles se fixam na cidade, onde fornecerão a principal energia para as obras públicas. Somados à imigração em escala muito menor de estrangeiros, eles proporcionarão à cidade um crescimento demográfico espetacular, pulando de 5 mil em 1870 para 20.568 habitantes em 1890 e daí para 30.757 em 1900, ultrapassando em 1907 mais de 60 mil. Os nordestinos, portadores da língua portuguesa, vão mudar a composição majoritariamente indígena da cidade. Manaus, embora sem ler e escrever, passa a falar português, enquanto sua elite orgulha-se de falar francês.
A inserção da Amazônia na nova divisão internacional do trabalho exigiu mudanças significativas em Manaus, para que a cidade pudesse servir com eficiência os seus novos donos, que se encarregam diretamente de promover essas transformações de acordo com os seus interesses, que nem sempre coincidiam com os interesses do conjunto da população.
Neste período, com o concurso do capital, da tecnologia e das empresas inglesas são instalados os serviços públicos. Manaus é dotada de um sistema portuário moderno, de serviços de água encanada, esgoto e luz elétrica, de um sistema de coleta e disposição de lixo, de serviço telefônico e de uma linha telegráfica subfluvial.
Uma febre de construção toma conta da cidade, varrendo tudo aquilo que podia evocar os povos indígenas. Erguem-se prédios públicos monumentais como o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça — hoje marcos referenciais da cidade —, a Biblioteca Pública, a Alfândega, a Penitenciária, e as instalações do porto flutuante. Surgem estabelecimentos bancários e lojas com os nomes "exóticos" de "Louvre", “Au bon marche", "A Ia ville de Paris", além de alguma residências majestosas, vilas, palacetes, bares, restaurantes, hotéis e cabarés, contendo em seu interior móveis e tapetes europeus, pianos alemães, jarras de Sèvres e louça de Limoges.
Sobradões portugueses usam azulejos de inspiração colonial para o seu revestimento externo, alguns com motivos que se tornavam completos apenas com 16 peças. Sobradinhos apresentam gradis na entrada e beirais de chumbo com motivos florais trabalhados e rebuscados. Escadarias de mármore italiano, portas e janelas mouriscas, balcões gradeados, amplas varandas cobertas com beirais de chumbo trabalhado, biqueiras de bronze, estatuetas de louça branca vão dominando pouco a pouco a paisagem do centro da cidade. E realmente a "glória" e o "progresso" passando em seu "belo e doirado coxim" como canta o Hino Municipal composto na época (1906).
O plano executado no governo Eduardo Ribeiro e de seus sucessores nivelou ruas, projetou novas avenidas e boulevards, alinhou e calcou as principais vias, construiu praças e jardins, instalando neles coretos, estátuas, fontes e chafarizes importados da Europa. Se não removeu montanhas, arrasou morros, aterrando com eles diversos igarapés como o do Espírito Santo e do Aterro, transformados nas duas principais avenidas da cidade até os dias de hoje. No caso dos igarapés maiores, foram construídas pontes de pedras e ferro para permitir que a cidade se espalhasse além deles. A cidade deu as costas ao rio e expandiu-se em direção ao norte e à leste. As antigas picadas que levavam às roças, transformadas depois em estradas, viraram avenidas, como a Sete de Setembro e a Epaminondas.
O prof°. Bradford Burns, da Universidade de Miami, que estudou esse período, considera que, em 1910, "Manaus alardeava com orgulho todas as civilidades de qualquer cidade européia de seu tamanho ou mesmo maior".
Miranda Correia, em seu "Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro", define a nova paisagem arquitetônica como uma variação entre "um neoclássico um tanto romantizado até às inovações do art-nouveau". Para Mário Ypiranga, na "Fundação de Manaus", trata-se de um estilo arquitetônico "insolente e apressado", arremedo entre outros do isabelino, do árabe, do espanhol e do português.
O processo de urbanização de Manaus durante o período do "ciclo da borracha", não teve, no entanto, apenas o caráter idílico emprestado a ele por alguns autores, que fazem a apologia da dependência ao capital estrangeiro e consideram nostalgicamente que qualquer tempo passado foi melhor. O traçado urbano de Manaus, na realidade, foi se ordenando em função de privilégios de fortuna de uma minoria. Portanto, ao exaltar o boom da borracha, sem qualquer visão crítica, exalta-se também a opressão de que se nutria a opulência dourada.
O escritor Márcio Souza, analisando este período, afirma: "Manaus foi a primeira construção KTTSCH brasileira, uma cidade às sonho e delírio (...) que não é verdadeiramente cidade, mas decoração, cenografia, palco ideal para a reificação colonialista".
O "progresso" só passou em seu belo e dourado coxim para alguns: uma minoria. Para a maioria da população — justamente aquela que construiu a cidade — significou um degradamento das condições e da qualidade de vida.
O Cadastro Predial de Manaus, publicado no "Mensáno de Estatística (n° 31) revela isso: na época em que Manaus tinha um total de 10.358 casas, menos da metade era de alvenaria, enquanto 5.710 casas foram colocadas na categoria de casebres, estâncias, barracões e casas de taipa ou de madeira.
O sociólogo André Araújo, que desde 1919 se preocupou com a questão da habitação no Amazonas, aplicou questionários, levantando dados sobre aproximadamente 2 mil casas de onze bairros pobres de Manaus. O seu trabalho revelou que a "Paris dos Trópicos", ao procurar negar a sua identidade para buscá-la "no outro", não percebeu que estava cercada por uma "banlieu" de nordestinos famélicos e índios destribalizados e tristes, morando em infectos mocambos.
Mais de 60% das casas eram de taipa nua, cobertas de zinco ou de palha, pequenas, de chão batido e socado, sujas. Igual porcentagem ratava localizada perto de charcos, igarapés, rios e alagadiços, sem qualquer urbanização, sem esgoto, sendo invadida periodicamente pelas águas. A maioria dessas casas possuía um só quarto, mas abrigava de sete a nove pessoas, dormindo em redes, uns sobre os outros, sem água encanada. A cidade, portanto, continuava sendo erigida contra os interesses da população, amontoada em casas úmidas no inverno e quentes no verão, pouco arejadas.
As duas Manaus — a dourada e a favelada — sofreram as consequências da crise da borracha, que mergulhou a cidade no marasmo. Durante a guerra de 1914-1918 e no período seguinte, com a depressão econômica, "mais de um milhar de prédios residenciais foram desalugados", criando a imagem de uma cidade-fantasma, conforme informações de um ex-prefeito, Agnello Bittencourt, em seu livro: "Fundação de Manaus: pródromos e sequência".
Os edifícios e os diferentes serviços públicos começaram a entrar em ruínas, sem que os seus proprietários ou o Estado pudessem mantê-los de pé. Sobraram deste período pelo menos 250 unidade inventariadas recentemente pela Representação da Fundação Pró-Memória em Manaus, que foram consideradas (te interesse para a preservação. Tombados oficialmente pelo Patrimônio Histórico existem apenas o Teatro Amazonas (1966), o Reservatório do Mocó (1985), o Mercado Público (1986) e o Conjunto do Porto de Manaus (janeiro 1987). A Zona Franca de Manaus vai acelerar o processo de demolição dos prédios construídos no período "dourado" da borracha.
VII. A "MIAMI BRASILEIRA"
A criação da Zona Franca de Manaus(ZFM) em 1967 implantou um modelo econômico baseado na exploração da força de trabalho barata amazonense, na concessão de incentivos fiscais pelo Estado a grupos privados nacionais e multinacionais, na isenção de impostos, na transferência de lucros acumulados para fora do Estado sem reinvestimento produtivo, e criou para tanto um Distrito Industrial, onde se concentram as novas indústrias, cuja produção é destinada ao mercado externo e não utiliza nenhuma matéria-prima regional.
Com a ZFM, Manaus inchou, espraiando-se em todas as direções e invadindo o espaço da floresta. A população pulou de 200 mil habitantes nos anos 60 para 953.307 em 1980, de acordo com o IX Recenseamento Geral do Brasil (1980), estando atualmente estimada em 1.100.000 habitantes.
As novas indústrias, criando apenas 40 mil novos empregos em 20 anos, não foram capazes de absorver a enorme massa de caboclos que emigraram do interior em direção à capital, onde vêm aumentar o grande exército de desempregados e marginais. Essas migrações alteraram a paisagem urbana da cidade, colocando problemas graves no que diz respeito à infra-estrutura de serviços básicos — saneamento, coleta de lixo, água encanada, luz, esgoto, sistema viário, transportes coletivos — bem como problemas relativos às condições de moradia, saúde, educação e trabalho.
A infra-estrutura urbana de Manaus continuou praticamente a mesma de 1910, limitada ao centro comercial e residencial. A cidade não estava preparada e nem se preparou para receber o proletariado industrial e o exército de reserva. Os "filhos da floresta"que vêm apodrecer em Manaus — os sem terra — passaram a invadir sistematicamente os espaços desocupados nos arredores da cidade para erguerem aí as suas habitações.
Em 1969, a área invadida da Compensa recebe a denominação pela imprensa da época de "Cidade de Palha", como referência ao tipo de material usado na construção das casas — o mesmo das habitações cônicas dos índios Manáo. Os próprios moradores ergueram as paredes, traçaram artesanalmente as ruas e lotearam improvisadamente os terrenos.
A partir de então e até hoje — nesse momento é a Vila da Paz II — as invasões foram se sucedendo umas após as outras, criando favelas, sem luz elétrica, sem água encanada, sem esgoto, mergulhadas na poeira e na lama, ligadas por transportes coletivos precários.
Ò "Plano de Governo 1971-1974", em plena época da ditadura militar, já reconhecia a "existência de um grande número de barracos que não possuem as mínimas condições de habitabilidade", e chamava a atenção para o cinturão de miséria, fome, desemprego, marginalidade, delinquência, prostituição e mendicância que cercava Manaus.
A Companhia de Habitação do Amazonas (Cohab-AM) iniciou a construção de conjuntos habitacionais financiados pelo BNH, totalizando cerca de 7.633 unidades residenciais neste período, sem contudo resolver o problema. Esses conjuntos praticam uma política de terra arrasada, derrubando as árvores e deixando o terreno nu, desrespeitando ainda todas as características da cultura local.
O traçado urbano da cidade também sofreu alterações que ignoram a cultura e a tradição amazônica. Milhares de novos veículos passaram a circular pelas vias da cidade, despreparada para recebê-los. Avenidas de largas pistas foram abertas — é certo — mas se limitaram a ligar o centro comercial com o aeroporto, com o Hotel Tropical e pontos de escoamento dos bens produzidos, deixando abandonada toda a periferia e os bairros proletários.
Os 37 Km de braços de rios e igarapés que circulam dentro da área de Manaus — sobreviventes do período da borracha, testemunhas mudas da ocupação indígena — foram considerados pelas atuais autoridades como pontos de estrangulamento e obstáculo para o escoamento do trânsito. Tratados como inimigos, esses cursos de água estão condenados a desaparecer da mesma forma que os povos que habitaram as suas margens, para dar passagem ao "progresso". Seis igarapés, importantes pontos de referência da cidade, serão afetados pelo projeto denominado "Manaus Moderna", atualmente em fase inicial de execução.
O projeto elaborado em segredo pelo governo do Estado, que já obteve junto ao Banco Mundial um empréstimo de 100 milhões de dólares, repassado em etapas sucessivas às empresas construtoras e de consultoria, objetiva: construir uma grande pista de 5 Km unindo o centro ao Distrito Industrial, margeando a orla do rio Negro e passando por seis braços de rios que hoje estão ocupados por 50 mil famílias que vivem em situação de miséria quase absoluta. Não existe no projeto nenhum plano de arborização ou criação de área de lazer.
O conceito de espaço urbano e vida coletiva não se fez presente no processo de expansão da cidade. O espaço das praças do período da borracha foi reduzido e suas árvores derrubadas para dar lugar a estacionamentos e garagens de carros ou para a edificação de prédios públicos. Os novos conjuntos habitacionais não contemplam espaços verdes para área de lazer ou praças, não possuem rede de esgotos, e suas calcadas — ali onde existem — foram construídas de maneira irregular pêlos próprios moradores, obrigando os pedestres a caminhar pelas pistas — lugar de lazer das crianças — num combate continuo com os carros.
O lixo toma conta das principais artérias, à espera de que os urubus façam o serviço dos garis. O jogador mineiro Reinaldo, de passagem por um clube local, manifestou publicamente no ano passado o seu horror pela quantidade de urubus e moscas que infestam a cidade, provocando indignadas reações de tom provinciano.
A agressão à natureza e à ecologia transformaram o clima da cidade. Longe de ser aquele clima "ameno e agradável" constatado pêlos viajantes até o final do século passado, Manaus é uma sauna.
As construções do Kitsch zona-franquense, de tremendo mau gosto, janelas retas e quadradas, lambris de metal, vidro fume e ar refrigerado, buscam como modelo, agora, a cidade de Miami, onde os beneficiados pela Zona Franca vão passar suas ferias. Construções que se contrapõem à floresta, aos igarapés e às favelas.
O escritor Márcio Souza, nascido em Manaus e considerado "maldito" pelo poder local, é um dos mais brilhantes críticos da cidade.
Observa com propriedade, em seu livro "A Expressão Amazonense" que a atual arquitetura baré vai em sentido inverso às experiências da arquitetura ecológica de Severiano Porto, um arquiteto cujos projetos resgatam diversos materiais amazônicos e elementos da criatividade indígena na busca e encontro de várias soluções de habitar e ocupar o espaço amazônico.
Quem nunca andou debaixo de árvores, não sabe que tem direito à sombra. Um povo sem memória e sem identidade é um povo incapacitado até para nutrir sonhos do presente para com o passado ou para com o futuro que ele pretende construir. O resgate desse passado histórico, a tomada de consciência das experiências coletivas são pré-condições para que a população de Manaus se organize e impeça que a sua cidade, iniciada sobre um cemitério indígena, continue sendo construída sobre os cadáveres de seus descendentes — os caboclos.
Com a ZFM, Manaus inchou, espraiando-se em todas as direções e invadindo o espaço da floresta. A população pulou de 200 mil habitantes nos anos 60 para 953.307 em 1980, de acordo com o IX Recenseamento Geral do Brasil (1980), estando atualmente estimada em 1.100.000 habitantes.
As novas indústrias, criando apenas 40 mil novos empregos em 20 anos, não foram capazes de absorver a enorme massa de caboclos que emigraram do interior em direção à capital, onde vêm aumentar o grande exército de desempregados e marginais. Essas migrações alteraram a paisagem urbana da cidade, colocando problemas graves no que diz respeito à infra-estrutura de serviços básicos — saneamento, coleta de lixo, água encanada, luz, esgoto, sistema viário, transportes coletivos — bem como problemas relativos às condições de moradia, saúde, educação e trabalho.
A infra-estrutura urbana de Manaus continuou praticamente a mesma de 1910, limitada ao centro comercial e residencial. A cidade não estava preparada e nem se preparou para receber o proletariado industrial e o exército de reserva. Os "filhos da floresta"que vêm apodrecer em Manaus — os sem terra — passaram a invadir sistematicamente os espaços desocupados nos arredores da cidade para erguerem aí as suas habitações.
Em 1969, a área invadida da Compensa recebe a denominação pela imprensa da época de "Cidade de Palha", como referência ao tipo de material usado na construção das casas — o mesmo das habitações cônicas dos índios Manáo. Os próprios moradores ergueram as paredes, traçaram artesanalmente as ruas e lotearam improvisadamente os terrenos.
A partir de então e até hoje — nesse momento é a Vila da Paz II — as invasões foram se sucedendo umas após as outras, criando favelas, sem luz elétrica, sem água encanada, sem esgoto, mergulhadas na poeira e na lama, ligadas por transportes coletivos precários.
Ò "Plano de Governo 1971-1974", em plena época da ditadura militar, já reconhecia a "existência de um grande número de barracos que não possuem as mínimas condições de habitabilidade", e chamava a atenção para o cinturão de miséria, fome, desemprego, marginalidade, delinquência, prostituição e mendicância que cercava Manaus.
A Companhia de Habitação do Amazonas (Cohab-AM) iniciou a construção de conjuntos habitacionais financiados pelo BNH, totalizando cerca de 7.633 unidades residenciais neste período, sem contudo resolver o problema. Esses conjuntos praticam uma política de terra arrasada, derrubando as árvores e deixando o terreno nu, desrespeitando ainda todas as características da cultura local.
O traçado urbano da cidade também sofreu alterações que ignoram a cultura e a tradição amazônica. Milhares de novos veículos passaram a circular pelas vias da cidade, despreparada para recebê-los. Avenidas de largas pistas foram abertas — é certo — mas se limitaram a ligar o centro comercial com o aeroporto, com o Hotel Tropical e pontos de escoamento dos bens produzidos, deixando abandonada toda a periferia e os bairros proletários.
Os 37 Km de braços de rios e igarapés que circulam dentro da área de Manaus — sobreviventes do período da borracha, testemunhas mudas da ocupação indígena — foram considerados pelas atuais autoridades como pontos de estrangulamento e obstáculo para o escoamento do trânsito. Tratados como inimigos, esses cursos de água estão condenados a desaparecer da mesma forma que os povos que habitaram as suas margens, para dar passagem ao "progresso". Seis igarapés, importantes pontos de referência da cidade, serão afetados pelo projeto denominado "Manaus Moderna", atualmente em fase inicial de execução.
O projeto elaborado em segredo pelo governo do Estado, que já obteve junto ao Banco Mundial um empréstimo de 100 milhões de dólares, repassado em etapas sucessivas às empresas construtoras e de consultoria, objetiva: construir uma grande pista de 5 Km unindo o centro ao Distrito Industrial, margeando a orla do rio Negro e passando por seis braços de rios que hoje estão ocupados por 50 mil famílias que vivem em situação de miséria quase absoluta. Não existe no projeto nenhum plano de arborização ou criação de área de lazer.
O conceito de espaço urbano e vida coletiva não se fez presente no processo de expansão da cidade. O espaço das praças do período da borracha foi reduzido e suas árvores derrubadas para dar lugar a estacionamentos e garagens de carros ou para a edificação de prédios públicos. Os novos conjuntos habitacionais não contemplam espaços verdes para área de lazer ou praças, não possuem rede de esgotos, e suas calcadas — ali onde existem — foram construídas de maneira irregular pêlos próprios moradores, obrigando os pedestres a caminhar pelas pistas — lugar de lazer das crianças — num combate continuo com os carros.
O lixo toma conta das principais artérias, à espera de que os urubus façam o serviço dos garis. O jogador mineiro Reinaldo, de passagem por um clube local, manifestou publicamente no ano passado o seu horror pela quantidade de urubus e moscas que infestam a cidade, provocando indignadas reações de tom provinciano.
A agressão à natureza e à ecologia transformaram o clima da cidade. Longe de ser aquele clima "ameno e agradável" constatado pêlos viajantes até o final do século passado, Manaus é uma sauna.
As construções do Kitsch zona-franquense, de tremendo mau gosto, janelas retas e quadradas, lambris de metal, vidro fume e ar refrigerado, buscam como modelo, agora, a cidade de Miami, onde os beneficiados pela Zona Franca vão passar suas ferias. Construções que se contrapõem à floresta, aos igarapés e às favelas.
O escritor Márcio Souza, nascido em Manaus e considerado "maldito" pelo poder local, é um dos mais brilhantes críticos da cidade.
Observa com propriedade, em seu livro "A Expressão Amazonense" que a atual arquitetura baré vai em sentido inverso às experiências da arquitetura ecológica de Severiano Porto, um arquiteto cujos projetos resgatam diversos materiais amazônicos e elementos da criatividade indígena na busca e encontro de várias soluções de habitar e ocupar o espaço amazônico.
Quem nunca andou debaixo de árvores, não sabe que tem direito à sombra. Um povo sem memória e sem identidade é um povo incapacitado até para nutrir sonhos do presente para com o passado ou para com o futuro que ele pretende construir. O resgate desse passado histórico, a tomada de consciência das experiências coletivas são pré-condições para que a população de Manaus se organize e impeça que a sua cidade, iniciada sobre um cemitério indígena, continue sendo construída sobre os cadáveres de seus descendentes — os caboclos.
Fim
A HISTÓRIA QUE A BURGUESIA INSISTE EM IGNORAR, COLOCAR EM SEGUNDO PLANO
A administrção do governo municipal do Sr. Amazonino Mendes acabou com as disciplinas de Fundamentos da História do Amazonas, "inserindo" na disciplana de História, que já está sobrecarregada com a história geral e a do Brasil. Em nome da qualidade do ensino ou corte de pessoal, o fato é que a SEMED mostrou nesse ato administrativo, o que os historiadores já diziam - há um desprezo pela história da Cidade e do Amazonas. A mesma pessoa que em 1996 pagou 800 mil dólares para o tenor José Carreras cantar no Teatro Amazonas, quando foi Governador, acabou com as disciplinas de história e geografia do Amazonas na rede municipal de ensino.
Carlos Alberto
Professor o sobre a construção de um forte e 1669 é uma lenda, não existe equipamento militar no mundo sem documentação e nessa época essas terras pertenciam a Real Audiencia de Iquitos com um vice-rei tomando conta, mapas existentes comprovam isso hoje. Se a Espanha era quem dominava Portugual como poderia este país tomar as terras de quem o dominava. Nossa história começa em 1750 com o tratado de Madrid. O restante é lenda.
ResponderExcluirMarçal Gomes