MÁRIO YPIRANGA MONTEIRO
POR ELE MESMO
Não
fui um menino criado à barra da saia da mamãe, mas meu pai severamente
controlava minhas andanças pelos descaminhos do mundo, a fim de evitar que me
acontecesse o mesmo mal que entanguia de ócio a muitos garotos da minha
idade, inutilizados desde cedo para o curso de humanidades. Eu fui cidadão do
mundo aos sete anos de idade, solicitado para figurar em pastorinhas, clubes
camavalescos, festinhas escolares, e algumas vezes também ameaçado nas escolas,
pelas professoras tolerantes, de bater na marinha. Meu pai me estimulava. o
gênio competitivo, dava-me versos para decorar e dizer nas ocasiões oportunas,
e airida hoje de alguns deles me lembro perfeitamente. Cantava. Sabia
cantarolar e não esqueci as cançonetas alegres e as modinhas de há setenta anos
com que alegrava reuniões familiais e escolates. Fui presidente da Escola
Dominical, eu que não era batista, nem a família, mas meu pai achava que eu
estava bem indo ajudar a louvar a Deus. Impressionante é que por essa mesma
época era eu pajem de Santo Antônio na igreja de São Sebastião, freqüentada por
minha mãe católica praticante. Como se vê, desde menino eu já acendia uma vela
a Deus e outra ao diabo, pois diziam ser eu o diabo em figura de gente. Aos
onze anos andava de escoteiro, na Legião Amazonense de Escoteiros do Instituto
Universitário Amazonense. Muita gente admirava-se da minha audácia, sair às
quatro da madruga do bairro dos Tocos para a sede da Legião, sozinho e a pé. O
primeiro grande périplo que fiz foi aos onze anos de idade, como passageiro de
um regatão de quatro faias, para Itaquatiara, para mim o fim do mundo... Talvez
essa viagem e mais outra ao rio Mapiá influenciassem as minhas inclinações
históricas para o livro que escrevi - O regatão. Mas foi no Ginásio Amazonense
que as minhas talvez encubadas reservas de simpatia pelas linguas, história,
geografia e literatura aflorassem com ímpeto decisivo, pois foi ali naquele
ninho de poetas adolescentes, de pintores, teatrólogos, caricaturistas,
cientistas bisonhos, revolucionários, que iniciei, à altura de 1927, a
publicação de jornais estudantis, a princípio manuscritos, depois
datilografados e por fim impressos. O meu espírito polêmico alvorecia naqueles
ímpetos juvenis, a par dos primeiros versos românticos e dos primeiros contos
regionais. Valorizar a terra foi sempre o meu objetivo, e para tanto empenho
busquei primeiramente a experiência dos meus ancestrais cabocos. Deixando o
Ginásio em 1930, após o entrevero politico que deu a nós ginasianos a glória de
havermos sido os pioneiros no deflagar a guerra contra o regime do dr.
Washington Luís, a política dos homens me desencantou. Arribei com armas e
bagagens para os rios Negro e Branco, por onde perambulei cerca de dois anos a
catar subsídios para contos e crônicas. Regressando, entrei de bolsos vazios e
com o espírito referto de entusiasmo pelas tradições antigas numa indeclinável perspectiva de
resgate do passado heróico da minha gente. Tive os meus altos e baixos, minhas
querelas rompantes, meus desafios intransigentes, minhas decepções e triunfos,
porém a dura e inamolgável carapaça filosófica que enverguei me supria de
bastante indiferença para os derrapamentos.
Minha primeira polêmica, à altura de 1932 ou 33, foi
contra um cidadão português, metido a poeta, tipógrafo do jornal União Portuguesa. Ele havia saído de
gênio, utilizando num plágio indecente os versos de Menotti del Picchia, do
poemeto "As máscaras". De lá para cá acentou-se mais o meu faro para os plágios, dos meus livros principalmente, muito
visados pela mediocridade presunçosa. Guardo, com usura, o galeão de provas
corrigidas por mim, daquela polêmica arrasadora. Meus livros têm sido pilhados
descaradamente, mas tenho reagido contra a desfaçatez, denunciando os lunfas.
Aos oitenta e um anos de idade eu posso orgulhar-me de
haver dado às gerações futuras bastantes subsídios para a história da cultura
da minha terra, pois cerca de quarerita obras já constituem razoável patrimônio
histórico-literário que honram o exercício da minha profissão de professor e
historiador.
NEGRITUDE E MODERNIDADE
A trajetória de Eduardo Gonçalves
Ribeiro
Governo do Estado do Amazonas - Outubro de 1990
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