CAPÍTULO 9
À SOMBRA DA PALMEIRA QUE AINDA HÁ
Iremos agora considerar as obras
maiores atacadas no governo de Eduardo Ribeiro em Manaus, pois sabemos que de
obras menores foi bem contemplado o interior do Estado, do tipo pontes de
madeira, cais de desembarque, estradas carroçáveis, como também em Manaus uma
porção de pontes de madeira no bairro da Cachoeirinha haviam sido reconstruídas
ou mandadas construir para favorecer a população.
Nesse assunto pontes, convém logo explicar que as mais bonitas e
resistentes que temos atualmente são as que ele mandou construir na antiga rua
Municipal, hoje avenida Sete de Setembro, e na estrada de Epaminondas, região
do igarapé da Cachoeira Grande. As duas primeiras pontes romanas, em arco de
pedra e gradis comuns localizadas nessa artéria, são denominadas Floriano
Peixoto (primeira ponte), sobre o igarapé de Manaus; Marechal Deodoro
(segunda, sobre o igarapé Bittencourt); ponte do Barroso, sobre o igarapé do
Espírito Santo, começo, que a Sphan (Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) um dia destruiu. A terceira ponte, também chamada de ponte metálica,
é a de Benjamim Constant, mandada construir na Inglaterra, como também a
chamada do Pensador, no seguimento da antiga estrada de Epaminondas. Além
dessas, havia a ponte Itaquatiara sobre a região palustre do Aterro, terrível
pantanal que o povo chamava., tapando o nariz, Pitiú. Igualmente a ponte de
madeira denominada dos Ipixunas, na rua do mesmo nome, desaparecida. Para dar
um retoque de beleza à cidade eram precisos alguns trabalhos fundamentais,
aterros e desaterros, nivelamentos, calçamentos à pedra tosca e a
paralelepípedos de granito de Lisboa. As mensagens estão repletas de contratos
para esses fins e daí Manaus passou a ter suas ruas, avenidas, praças e
calçadas niveladas e pavimentadas com esmero. Não foi um trabalho executado sem
sacrifício, pois sabemos pelos noticiários dos jornais que, após a governança
de Eduardo Ribeiro, o fornecedor desses paralelepípedos, cidadão luso Manuel
Florêncio, fora caloteado e morreu na miséria em Lisboa. Naturalmente que o dr.
Eduardo Gonçalves Ribeiro nada tem a ver com o caso, pois em sua administração
os fornecedores foram pagos, havendo, como se viu antes, uma pequena falha
nesse sistema de pagamento por parte dele, mas os compromissos aparecem
transçritos em suas notas pessoais para serem pagos.
Também viajou pelas regiões mais próximas de Manaus e pelas cidades de
Parintins, Itaquatiara, Maués e outras, a fim de consolidar sua candidatura a
senador ou para verificar o andamento de certas obras tidas por necessárias e
merecedoras de perfeição técnica, como ancoradouros de madeira, escolas, casas
para delegacias de policia, conforme já ficou salientado. Isso pouca gente
sabe, realmente, e para essas viagens rápidas adquirira a lancha
"Florinda", homenagem a sua velha "mãe" residente em São
Luís do Maranhão. Mas Eduardo Ribeiro não foi eleito senador pelo Amazonas. Essa é uma história um pouco suja, em que o homem
destinado a prosseguir seus métodos de apoio ao progresso do Amazonas de
repente passa a terceiro plano, subjugado naquela luta de interesses pelos
politiqueiros contumazes. Eduardo Ribeiro volta a ser presidente do Congresso
Amazonense, a fim de assistir a tremenda defasagem e a luta desenfreada pelo
poder, luta que acabou com a eleição de seu adversário: a família Nery; aliás,
o clã Nery formado pelos nomes Malcher, Ramalho, Antony, Nery e subaltemos.
Deixamos para o final as melhores informações sobre o Teatro Amazonas.
Gostaríamos de refrasear que a vocação do,povo amazonense pelo teatro
operístico não é uma alegre novidade no ano da inauguração do majestoso
edifício. Também não seria uma extensão cultural do passado jesuítico, apesar
de que nosso índio soubesse fazer pantomimas heróicas. O vício pelas gambiarras
veio da Europa culta, pois o verdadeiro teatro - um teatro português autóctone
ou traduzido do francês - não faria sentido numa capital sem teatro, isto é,
sem instalações adequadas. Somente depois de 1850 é que o cidadão Casemiro do
Prado levantou uma "arapuca" na região compreendida atualmente pela
sede da Capitania dos Portos, teatrinho de madeira muito modesto. Depois alguns
empresá.rios afortunados levantaram o teatro de madeira, maior, denominado Éden
Teatro, este a que alude o viajante Avé-Lallemant, em 1859(42). Pois lá começou
a representar-se, sem ambientação própria,
o teatro europeu não-cantado. Mais tarde, a partir de 1870, apareceram as
primeiras óperas líricas, que não sabemos informar se completas. Foi a imagem
triste daquele teatro de madeira que levou o cidadão deputado provincial A. J.
Fernandes Júnior a propor, em 1881, a construção de um teatro de alvenaria. O
artigo primeiro do projeto e respectiva. lei reza: "Fica o presidente da
Província autorizado a despender no exercício de 1881 a 1882 a quantia de 60
contos com a construção de um teatro de alvenaria nesta cidade, e aquisição de
terreno preciso". Etc.
A obra começou, depois de longas discussões barulhentas e formulação e
reformulação de contratos, e estacionou nos fundamentos até a primeira cornija
inferior. Em 1892, quando Eduardo Ribeiro assume a direção das obras públicas
no governo do tenente Augusto Ximeno de Villeroy, deita suas vistas para a
construção paralisada e dedica-lhe grande interesse. Uma lei sancionada sob o
seu patronato autoriza encampar os serviços, indenizar o -contratante Rossi
& Irmãos, do Rio de Janeiro (atuantes em Manaus, em várias obras
oficiais), e tocar para frente a obra. Pagou-se ao advogado provisionado dr.
Ermano Stradelli (representante da firma) a quantia de sessenta contos de réis,
e ora por contrato firmado ora por administração, a mole gigantesca subiu e
personalizou-se como cartão-postal do Amazonas. O fato de Eduardo Ribeiro
interessar-se pelo monumento possui alguma coisa de pitoresco e talvez venha a
servir de leitmotiv para alguém
inclinado a estudos psicanalíticos. Mas isso é uma questão que foge ao nosso
programa. Trabalharam no teatro como artistas exomadores Henrique Mazzolani,
exterior, Crispim do Amaral, interior, pinturas, ornamentação e obras de
relevo, pano de boca, rompimentos, pernas, cortina de Molière etc. Domenico de
Angelis ficou encarregado da ornamentação do salão nobre, com tudo quanto lá
existiu de bom e de belo (os ladrões desta terra baixaram as mãos corruptas nas
riquezas do tipo vasos de Sèvres, cristais da Bohêmia, espelhos e candelabros).
Depois do falecimento de Eduardo Ribeiro, quando muita coisa encomendada antes
chegava, não houve mais nenhum interesse em acabar ou completar a riqueza
interna dos edifícios nobres. Basta dizer que uma porção de caixa.s com
candelabros de louça ficaram retidas na Alfândega de Manaus até depois de 1900,
sem que mãos piedosas se ocupassem em resgatar o que a perversa antipatia de
governos adversários negligenciou. Depois disto o que nos resta dizer? Para
onde foram essas caixas com seu rico conteúdo? Não se admirem disto. Eu estou
me perguntando aonde foi bater o riquíssimo lustre do Tribunal de Justiça,
desaparecido já nos nossos dias. Porque os espelhos do teatro, que o povo
ignaro teima em asseverar estão no Salão dos Espelhos do Rio Negro, o que nunca
foi verdade, devem a.inda estar sendo "recuperados" por quem os levou
a Paris numa fuga turística.
O Teatro Amazonas, soberbo na sua mole aparatosa, guarda a imagem e os
ecos da abastança do Estado, mas como toda casa que se arruína pela
incapacidade dos responsáveis, teve sua glória malversada pela assídua
corrupção de governos mais interessados em fazer seu pé-de-meia do que em
cuidar do patrimônio público. Por isso sofreu a injúria do tempo e não podia
deixar de sofrer com a contaminação de mãos sacrílegas. Também não escaparia ao
circunlóquio da lenda, das mentiras frescas do tipo daquela registrada pela Encyclopaedia Britannica. Não seria
demais dizer-se que ficou mais famoso pelo enxerto de tantas mentiras
deslava.das, mentiras sustentadas por hábeis manipuladores da palavra fácil, da
literatura oral, da impostura, reflexo sintomático de debilidade mental
congênita. Existem pessoas em Manaus que se comprazem em criar situações para
si próprias sob o prestígio daquele edifício. Se no passado (e a.inda hoje)
todo artista nacional e estrangeiro sonhava com uma apresentação nele e faziam
eles propostas singulares ao governo, não é demais admitir-se que pessoas
medíocres se instalassem à sombra do majestoso Teatro Amazonas. Daí aquela
tautologia coletiva "eu vi a cor rosa do teatro no dia da sua
inauguração"; "eu vi a cúpula do teatro girar"; "eu vi as
escadas de ferro fabricadas pelo engenheiro Eiffel". Isto não é de hoje e
nem va.i parar, nunca mais. Um outro, conhecido mitômano, espalha a notícia
bárbara de que Sarah Bernhardt cantou L'Aiglon
no dia da inauguração do teatro! Esta miséria vem escrita num livro indecente
do jornalista francês Claude Mossé, mas não é dele a patuscada.
O dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro não teve chances de inaugurar o Teatro
Amazonas. Deixou o governo em meadò de 1896, passando-o a seu pupilo, tenente
(depois capitão) Fileto Pires Ferreira, um ilustre playboy que, não fosse a mania de grandeza e o desperdício de
talento, agravado com a nomeação de seu cunhado para carrasco da Policia Civil,
teria granjeado fama e consideração. Estava a ele destinada a oportunidade de
inaugurar o Teatro Amazonas, e fê-lo no dia 31 de dezembro de 1896, exibindo-se
programa variado. A ópera mesmo só teria início no dia 7 de janeiro de 1897,
com o teatro não concluído na parte exterior nem no salão nobre. Cantou-se a
ópera Gioconda, de Amilcar
Ponchielli, com a cantatrice I,íbia Drog no papel de Gioconda. Teatro à cunha,
um festival de luxo, luzes e mulheres bonitas. Todo o mundo oficial presente,
segundo a ata da inauguração. Somente em 1897 é que o governador dr. Fileto
Pires Ferreira expede a Ordem de Serviço n° 32 autorizando o concessionário
Henrique Mazzolani a executar a pintura extema, de cores cinza e branco.
Quando da publicação dos três volumes ilustrados de minha obra Teatro Amazonas, eu não conhecia o
documento transcrito e, mesmo que o conhecesse àquela altura, não podéria
positivar a cor da pintura original do teatro. A indicação das pontes de ferro
pintadas de cinza, porém, me conduziu à mensagem do dr. Anísio de Carva.lho
Palhano e ao contrato celebrado com o cidadão Florêncio Rodrigues de Almeida,
contrato que tem o número 11, assinado no dia 14 de setembro de 1897, mas com a
indicação do pagamento dos emolumentos no dia 31 de julho de 1897. A ponte da
Cachoeirinha é a popularmente chamada terceira ponte ou de Benjamim Constant,
inaugurada no dia 7 de setembro de 1895, conforme documento:
Ordem de serviço n.° 32
Mandando gue Hge. Mazzolani, contractador das Obras do Theatro Amazonas, execute
à pintura externa pello systhema impermeável, utilizando o mesmo material
empregado nas novas pontes de ferro & somente olleo de linhasa na pintura
branca de portas & janellas, frzizos e rellevos ficando advertido de gue o
praso para entrega das referidas Obras não poderá exceder de seis mezes
contados
desta data, e que deverá
levantar por sua conta & risco os andaimes que mandou retirar. O pagamento
será feito sob apresentação de medidas approvadas pello fiscal e em cinco
parcellas de quinze contos e desanove mil réis cada (Rs I5:019$000), perfazendo
o total de setenta e cinco contos e noventa e cinco mil réis (Rs 75:095$000).
Manáos, 25 de agosto de 1897
Fileto Pires Ferreira
Governador
O contrato número 11, celebrado com o cidadão Florêncio Rodrigues de
Al.meida no dia 14 de setembro de 1897, reza implicitamente a cor cinza da
pintura das duas pontes de ferro, da Cachoeirinha e Cachoeira Grande(43) . Mas
o contratador pagou os emolumentos, conforme o texto, em 31 de julho do mesmo
ano. Nâo se pode, diante dos documentos, aceitar considerações de ordem
fantasista. Muito se teria ainda que dizer a respeito da pintura cor-de-rosa,
que é recente, da autoria do engenheiro Victor Troncoso, o reformador, autor da
nova. teoria de se pintarem pedra e colunas, que déformou a estética dos
edifícios nobres de Manaus, Teatro Amazonas, Palácio da Justiça e Reservatório
de Água.
Uma vista de olhos sobre o passado demonstra que as gerações que
sucederam àquela brilhante plêiade de construtores civis, Eduardo Ribeiro,
Taumaturgo de Azevedo, Fileto Pires Ferreira, José Cardoso Ramalho Júnior,
Silvério José Nery e Constantino Nery, até aí, imantaram influxos nas gerações
posteriores. Talvez haja mesmo uma manifesta preocupaçâo de imitá-los e, quem
sabe, até de superá-los; esse orgulho que faria dizer a Apeles: "Eu também
sou pintor!". Não estamos promovendo demarches no sentido de trazer para o
momento atual a imagem santificada daqueles homens que uma situação econômica e
política elegeu e lhes deu oportunidades para engrandecer Manaus. Mas o vulto
de Eduardo Ribeiro começou a ser endeusado em vida, quando à parte leste do
igarapé popularmente chamado do Mestre Chico e oficialmente Limite de
Demarca~ão da Zona Urbana-Suburbana foi dado, sem nome oficial ainda, o nome de
avenida de Eduardo Ribeiro, depois oficializado por ato da Câmara Municipal de
Manaus, número 1, de 20 de fevereiro de 1904, quando superintendente aquele seu
amigo dr. Manuel Uchoa Rodrigues. Assim se fez porque era pensamento de Eduardo
Ribeiro mandar aterrar os igarapés centra.is de Manaus, fazendo deles "uma
outra Veneza". O que teria sido ótimo, pelo menos se evitariam os
conglomerados palafíticos que mudam para pior a imagem de Manaus-Cidade Risonha
e tolerados e estimulados por governos negligentes.
Mais tarde, possivelmente em 1897, foi dada à artéria-eixo Sul-Norte a
nomenclatura avenida de Eduardo R.ibeiro, pois a ele coube a metade da glóxia
de aterrá-la e calçá-la a paralelepípedos de granito de Lisboa. Outrossim, à
região onde esteve sua célebre chácara e onde morreu foi dado o nome de Chapada
de Eduardo Ribeiro ou do Pensador, nomenclatura que não conseguimos estabelecer
oficialmente, mas à ponte de ferro também se estendeu o nome popular de
Pensador (44). Essas memorizações advogam a favor de uma religião do sentimento
afetivo, evidência clara da gratidão dos povos.
Não se pode deixar de admitir, por outro lado, que todas as suas
invenções resultaram ern benefício coletivo e, ainda que muitas hajam padecido
do mal da introdução do progresso violento (refiro-me à mania de restauraçôes,
"melhoramentos" perfeitamente dispensáveis), o vínculo sentimental
com aquela figura inteligente de mulato operoso não foi nem será esquecido.
Pelo menos o vulto majestático do Teatro Amazonas será uma constante e atual
presença do benfeitor do Amazonas.
NOTAS
(42)Robert AvéLallemant, Viagem
pelo Norte do Brasil, 2° v., p. 149.
(43)Mário Ypiranga Monteiro, Teatro Amazonas
(44)Mário Ypiranga Monteiro, Roteiro
histórico
de Manaus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário