terça-feira, 24 de maio de 2016

A trajetória de Eduardo Gonçalves Ribeiro VIII - MÁRIO YPIRANGA MONTEIRO



CAPÍTULO 8

ANTES DO APENAS MODERNO


A renovação da politica de governo começa realmente com a administração do tenente Augusto Ximeno de Villeroy, que, sendo uma figura ignorada ainda dos amazonenses e praticamente ignorando a terra e seus homens, necessitava de arrimo, de um conselheiro sério e experimentado. Valeu-se do colega de farda, dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro, e parece-nos a nós que todos os atos do novel goverador republicano trazem o influxo dinâmico do seu secretário, que era igualmente o responsável pela pasta das obras públicas. E, sendo assim, o primeiro decreto que vai antingir a questão da colonização é o Ato n° 6, de 11 de janeiro de 1890, que modifica em parte a orientação provincial do serviço. É criada a Inspetoria Geral das Colônias, cargo exercido por um engenheiro auxiliado por ajudante. Cada colônia seria administrada por um diretor imediatamente subordinado ao Inspetor Geral. Além do mais, cada colônia seria servida por um médico e ambulância necessária. Era já uma reforma em profundidade. Em seguida, o Decreto n° 9, de 11 de janeiro do mesmo ano, dava. "instruções provisórias" à Inspetoria Geral das Colônias enquanto não fosse baixado o Regulamento. A partir do mês de novembro de 1890, a responsabilidade dos atos gavernamenta.is cabe inteira ao dr. Eduardo Ribeiro, com o afastamento do tenente Ximeno de Villeroy Podemos dizer que começam a aparecer certas medidas muito avançadas para a época, como a instalação de telefones urbanos, concessão feita ao cidadão Joaquim Caribé Rocha, por espaço de 25 anos. Posto que essa concessão não houvesse frutificado, ela chanta o primeiro marco nas atividades do excelente administrador(39). E, em seguida, aplica o grande golpe politico que foi a promulgação da Constituição de 1891, que o Decreto n° 86, de 13 de março, asila. Para consolidar o feito, o Decreto n° 87, de 13 do mesmo mês e ano, declara feriado o grande dia! Continuemos a discretear sobre os atos referentes ao problema dó tráfego fluvial, problema que era, como o das estradas carroçáveis, de exigente prioridade e a que Eduardo Ribeiro deu invulgar atenção, continuando a aspiração dos governos anteriores da Província. A Lei n° 8, de 21 de setembro de 1892, concede passagens de terceira classe a artistas nacionais ou estrangeiros que desejarem fixar residência em Manaus. Davam-se-lhes dois mil réis para o sustento no primeiro mês, se não obtivessem logo trabalho. Artistas no sentido de operários especializados. Muitos vieram e ficaram. A Lei n° 11, de 30 de setembro de 1892, aprovava o tratado de navegação do rio Javari (Lei de 10 de outubro de 1891). A de número 15, de 5 de outubro de 1892, eleva para três contos de réis a subvenção estabelecida no artigo 3° da Lei n° ló, de 11 de setembro de 1891. A de número 21, de 15 de outubro de 1892, autoriza o governador a chamar concorrentes ao estabelecimento da linha de navegação a vapor de Manaus a Caapiranga no rio Autás, com a subvenção de quinze contos de réis para os quatro primeiros anos e dez para os três últimos. A de número 22, de 16 de outubro de 1892, autoriza o governo a contratar linha de navegação a vapor entre os portos de Manaus e rio Aripuanã e outros afluentes do rio Madeira, com a subvenção anual de doze contos de réis. A 7 de agosto de 1893 é publicada a Lei n° 38 que subvenciona a Companhia Frigorífica Pastoril Brasileira com três contos e quinhentos mil-réis mensais, com direito o governo a duas passagens gratuitas a ré e seis na proa, durante cinco anos. Essa companhia transportava carnes congeladas e prensa.das, alimentos de vários tipos e bebidas alcoólicas. Supria vantajosamente o mercado consumidor de Manaus, pois a agricultura era de todo modo insuficiente, apesar das colônias próximas. Um governador posteriormente alegava que os terrenos dessas colônias eram impróprios para a agricultura, mas o propósito de desfazer-se delas está mais do que evidente, pois o fator edáfico nunca obstou o cultivo de árvores frutíferas nem de cereais e legumes nos arrabaldes de Manaus, precisamente ali onde outrora foram as grandes plantações de anil, café (40).
A par dessa preocupação do abasteci.mento de Manaus, o governador dr. Eduardo Ribeiro não se descuidou do acostamento para navios de grandes tonelagens, os quais, por imperativos técnicos, ficavam ancorados no quadro da baía do rio Negro. Mandou construir trapiches em Manaus, Itaquatiara e Parintins, trapiches de madeira, sólidos, para navios fluviais de cabotagem, e dotar os portos do rio Branco de alvarengas de ferro, muito antes que a companhia Manaus Harbour o fizesse em Manaus (Lei n° 42, de 2ó de agosto de 1893).
Uma linha de navegação a vapor entre Manaus e o Ceará, com a subvenção anual de cinqüenta contos de réis, é o que pretendia a Lei n° 46, de 30 de agosto de 1893. O Estado teria a vantagem de três passagens a ré, dez de proa e ma.is cinco toneladas de carga, gratuitamente. Essa medida prometida na Lei e em outras de igual teor era visando a um novo interesse migratório sem fumaradas de propaganda. Navegação a vapor mista entre Manaus e São Joaquim do Rio Branco: Lei n° 50, de 19 de setembro de 1893, exigindo-se as tais alva.rengas referidas acima (de ferro e não as persingangas de madeira que eram comuns) para transporte de gado-em-pé.
O contratante teria ainda de construir uma estrada de ferro através dos campos gerais do Rio Branco (Caracaraí), pelos quais receberia a subvenção anual de cem contos de réis.
Alhures fizemos referências a esses projetos de estrada de ferro, uma contaminação que incompatibilizou indivíduos e acabou em distúrbio de quartel. Não que a montagem de uma via férrea fosse discrepante para a região, não era, mas séntia-se que o projeto acalentado muitas vezes não possuía uma infra-estrutura moral suficiente a sustentá-la.
O projeto era viável, mas os que a ele aderiam como caramujo em casco de navio eram imponderáveis. Imagine-se que no Diário Oficial do Estado, edição de 26 de fevereiro de 1896, há uma notícia da inauguração da estrada de ferro! Quer dizer que cerca. de três anos depois inaugurava-se o que não existia, o que estava. apenas na estaca zero! A Lei n° 56, de 30 de setembro de 1893, mandava contratar uma linha de navegação a vapor para Maués e rios Aripuanã e Manicoré, com subvenção anual de quarenta e oito contos de réis e viagens mensais aos portos (barrancos) dos lugares Maués, Canumã, Borba, aldeia do rio Autás, foz do rio Aripuanã, Capintuba, Prainha, Areal, Cantão, Manicoré, nos meses de janeiro a junho; e São José do Amatari, Itaquatiara, Silves, Urucará, Parintins, Barreirinha, Maçanari e Maués nos meses de julho a dezembro.
Uma preocupação muito cabal essa de aproximar as riquezas naturais dos rios distantes que lutavam contra a nulidade de expansão econômica. Não há que duvidar: as medidas tomadas por nossos deputados eram ótimas e oportunas e, sancionadas pelo governador dr. Eduardo Ribeiro, faziam jus àquele conceito de mutirão para o engrandecimento da terra.


A Lei n° 58, de 6 de outubro de 1893, autorizava o contrato de linha de navegação a vapor entre Manaus e Caiçara (Tefé, rio Solimões) com a subvenção de trinta e seis contos de réis anuais. Em 1894 é publicada a Lei n° 64, de 13 de agosto, que advoga a favor dos produtos naturais e artísticos, uma espécie de antecipação das instituições de amostras de artesanato popular com matéria-prima local. Esses prodütos naturais já vinham negociados de longa data, como souvenirs, pela cabocada inteligente, nos navios a vapor que começaram a circular pelos cafundós do Judas. Mas realmente nunca tiveram apoio legal, era um escambo de iniciativa própria. O interesse do governo pela agricultura e suas áreas mais aproximadas levou o dr. Eduardo Ribeiro a sancionar (e talvez fosse sua a idéia) a Lei n° 69, de 24 de agosto de 1894, que mandava. anexar ao Ginásio Amazonense o curso de Agrimensura. Esse curso funcionou realmente e deve de haver sido muito útil à juventude que necessitava deslocar-se para fora de Manaus. O sentido de sua criação e instalação não pode deixar de ser óbvio e atual: o governo passara a distribuir terras aos migrantes ou a quem as desejasse (durante a vez da Comarca e da Província, as célebres cartas de datas concediam "braças de chões" aos impetrantes, para edificação e cultivo, mas agora nomeavam-se metros e até quilômetros).
Já a Lei n° 68, de 23 de agosto de 1896, autorizava. o Poder Executivo a contratar linha de navegação a vapor entre o porto de Manaus e o do Ceará, pelo tempo de oito anos, com a subvenção anual de dez contos de réis. A Lei n° 93, de 6 de outubro do mesmo ano, autorizava o govemador a contratar linha de navegação a vapor, mensal, entre Manaus e portos do Mediterrâneo, com escalas obrigatórias em Gênova (partida), Marselha, Barcelona, Vigo, Açores, Parintins, Itaquatiara, com a subvenção anual de duzentos e quarenta contos de réis, com a duração de dez anos. Esta lei é uma revisão da anterior 117 de 27 de abril de 1895, modificada no artigo 1 ° que omitiu o porto de Belém do Pará. Sem dúvida foi essa uma das mais brilhantes concessões no gênero, que possibilitou a vinda para a Amazônia de centenas de migrantes italianos, franceses, espanhóis, açorianos. Os navios mais modernos da época, com gelo a bordo, foram colocados naquela linha, os famosos "piroscafos", de que damos aqui uma idéia com os belos navios "Re Ubérto" e "Rio Amazóhas".
A Lei n° 101, de 15 de outubro de 1894, mandava o governo contratar duas linhas de navegação a vapor entre os portos de Manaus e Maués, com a subvenção anual de quarenta e oito contos de réis. A de número 127, de 4 de setembro de 1895, autorizava o Poder Executivo a contratar com I. C. Veloso & Cia., ou empresa por ele organizada, diversas linhas de navegação a vapor entre Manaus e a boca dos rios Gregório, Juruá, Jutaí, Maués, mediante oito contos de subvenção cada viagem e outra entre Manaus e o rio Japurá, com subvenção de quatro contos de réis por viagem, especificando que os navios teriam capacidade mínima de cento e vinte toneladas. Contrato de seis anos. A Lei n° 141, de 12 de maio de 1896, autorizava o governador a contratar linha de navegação a vapor para o rio Purus com os armadores A. Bemeaud & Cia., até Cachoeira, com subvenção anual nunca superior a cento e vinte contos de réis e nunca menos de cinco anos de prazo. Vamos alcançando o término do mandato do governador dr. Eduardo Ribeiro e somente mais duas concessões desse tipo são sancionadas por ele: a Lei n° 148, de 31 de maio de 1890, autoriza o governo a contratar linha de navegação a vapor para o Janauacá, com Ribeiro Gameiro & Cia., ou quem mais vantagens oferecesse, entre Manaus e Janauacá (lago), com a subvenção anual de trinta e seis contos de réis ou três contos mensais. E, por último, a Lei n° 149, de 2 de junho de 1890, autoriza o governo a modificar o contrato com a Companhia de Navegação do Maranhão. Estas e outras leis amparadoras do comércio e da colonização do Amazonas especialmente não são levadas em consideração quando se nomeiam as obras marcantes de Eduardo Ribeiro, pois ninguém põe em dúvida o fato de que muitas dessas iniciativas foram de sua lavra. Ele enxergava longe a necessidade de oferecer ao produtor e ao comerciante exportador condições ma.is avançadas e rápidas como seriam no caso presente as linhas de navegação a vapor.
Como deixamos dito alhures, não seria essa uma inovação do seu governo, pois que durante o período provincial já os nossos deputados sabiam lidar com o problema, quer estabelecendo linhas de navegação a vapor, quer premiaxido os agricultores. Mas com o dr. Eduardo Ribeiro o surto de progresso advindo com o funcionamento da máquina fluvial e marítima não só a colonização assumiu aspecto exponencial como as lideranças comercistas do interior e da capital adquiriram maior confiança e poder de investimentos na terra. Não seria despropositado citar aqui uma de suas idéias magníficas para salientar sua esperança no futuro da agricultura. Embora já houvéssemos tocado de leve no assunto, e não seja exatamente aqui o lugar apropriado para fazê-lo, releva lembrar que muita gente, quando destaca o problema educacional no Amazonas, esquece-se de que houve, antes da criação em 1904 e instalação em 1909 da primeira Universidade brasileira em Manaus, um embrião dessa fuga para o curso superior reconhecido, o que vem destacar o papel da sociedade amazonense na prioridade da emancipação universitária.
Naquele então, o saudável Ministério da Educação (aliás todos os ministérios vigentes e posteriores) não andava. implicando com as avançadas idéias partidas do Amazonas, como aconteceria com a nossa Universidade Livre referida. O fato é que essa idéia providencia.l serviu para mais tarde acionar as molas da formação estrutural da nossa Universidade, que incluía também uma Faculdade de Agronomia funcionando até a década de 50, cuja sede ficava na rua de Luís Antony, à praça do General Osório. Sendo o dr. Eduardo Ribeiro engenheiro, não lhe faltariam os instrumentos materiais de sua especialidade. No inventário dos seus bens, página sessenta e cinco, aparece uma modesta relação de aparelhos técnicos: um estojo com cem bússolas, um sextante, uma caixa com aparelhos geodésicos, três tripeças, oito estacas de mira, uma caixa. de flandres eom papéis, plantas e objetos de engenharia, um estojo pequeno para desenho, um trânsito e mais caixas com jornais e papéis etc.
Mais ou menos figurada essa disposição para o trabalho de implantação do homem na terra e da terra capacitada a produzir para sustento de todos, passamos a outro setor de sua atividade realizadora, um outro motivo para que fossem gastos numerários vultosos e nem sempre bem-aplicados ou aplicados sem sucesso. Referimo-nos ao problema da comunicação terrestre, ou seja, àquele problema que vinha preocupando o homem desde muito antes: a descida do gado das fazendas do Rio Branco para abastecimento da capital. Na gestão do dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro o primeiro ato referente à estrada de rodagem é a Lei n° 16, de 8 de outubro de 1892, que autoriza o "governador do Estado a mandar chamar concorrentes para a execução da exploração de uma estrada de Manaus à vila da Boa Vista do Rio Branco". Nessa lei se exige que a picada da exploração tenha pelo menos cinco metros de largura. O que nos parece interessante é a preocupação pelo resguardo da árvore majestosa, dando-se preferência, no artigo 3°, para o corte de "todas as árvores, cujos troncos forem inferiores a cinqüenta centímetros". Deveria ser estabelecida concorrência pública na base de dez quilômetros de trecho preparado, cujo pagamento ocorreria após a sanção do engenheiro fiscal. No artigo 5 ° diz-se que, não ocorrendo concorrentes, far-se-ia o trabalho por administração. Foi essa estrada que mais dor de cabeça deu ao governo e entrou pelos anos sem solução, apesar de que a cada gestão se falasse dela como problema equacionado. Foi seguramente a maior bandalheira em que se despejaram milhões, parecendo só perder para as obras contra as secas do. Nordeste, ou para a célebre estrada do Telégrafo, que, partindo misteriosamente de Manaus é internando-se pela mata bruta, dizia-se ir terminar próximo ao paraná do Boto, em Parintins (41).
Mas a grande novidade - que de novidade só havia o mérito de parecer destinada à realidade - foi a Lei n° 124, de 26 de agosto de 1895, que autorizava o governo do Estado à construção de uma via férrea suburbana de bitola estreita e por tração a vapor. Esta não ficou no papel, transformou-se em realidade usufrutária, pois os moradores dos subúrbios só possuíam as vias aquáticas para deslocar-se ou o lombo do cavalo, do jegue e do boi. A magnífica ideia de dotar-se a cidade e o subúrbio principal de via férrea não era, como se disse alhures, nenhuma novidade para os manauaras. Em 1879, na sessão extraordinária da Câmara Municipal, do dia 24 de maio, o vereador dr. Aprígio Martins de Meneses (tem nome de rua) apresentou a proposta para a vulgarização dos trolleys, "que são atualmente reconhecidos como o meio de viação mais apropriado nos terrenos acidentados como os desta cidade". A proposta, que autorizava adquiri-los no Rio de Janeiro ou São Paulo, "onde tal melhoramento está em larga escala introduzido", foi aprovada mas não se tomou deliberação para pô-la em prática. Por isso, em 1880, voltou à Câmara Municipal de Manaus, na sessão do dia 18 de junho. A despesa com a compra seria de um conto e quinhentos mil-réis e a via ligaria a cidade à colônia de Maracaju, com duas viagens por dia. Ainda assim não foi cumprido o projeto porque, em 1882, o cidadão Bernardo Antônio de Oliveira Braga solicitava. à Câmara concessão para assentamento de trilhos em ruas, praças e estradas de Manaus, por dez anos. Transportaria cargas e passageiros. Concedido, não foi realizado o projeto. Foi na sessão da Câmara Municipal dos dias 6 e 11 de setembro. Depois dessa entusiástica promoção, só a Lei n° 124, de 26 de agosto de 1895, autorizou a "construção de uma via férrea suburbana de bitola estreita e por traçâo a vapor", pelo Congresso Amazonense, projeto que Eduardo Gonçalves Ribeiro pôs logo em execução. Foi esse sem dúvida alguma o melhor presente que o povo recebeu em termos de transporte citadino-suburbano à época, depois da instalação dos bondes elétricos. Digo assim pelo fato de haver sido recebida a novidade com euforia rara a que não faltou a crismá-la a verve popular. Foi logo denominada "maxambomba" e para ela e sobre ela se fizeram cantigas e versos alusivos. A lei referida diz:

Eduardo Gonçalves Ribeiro, Bacharel em Matemáticas e Ciências Físicas, Capitão do Estado-Maior de 1a classe e Governador do Estado do Amazonas etc. etc.
Faço saber a todos os seus habitantes gue o Congresso dos Representantes do Estado do Amazonas decretou e eu sancionei a seguinte lei:

Artigo 1.° - O Poder Executivo do Estado fica autorizado a conceder ao engenheiro civil Frank Hirst Hebblethmaite, ou à empresa ou companhia que este organizar, ou quem mais vantagens oferecer, a construção de uma via férrea suburbana de bitola estreita e por tração a vapor com uma ou mais linhas, partindo do perímetro urbano para os bairros da Cachoeira Grande e Pequena, circulando a cidade, prolongando-se pelas terras da extinta colônia `João Alfredo" e dando derivação a outros ramais de reconhecida necessidade pelo Governo do Estado, sem prejuízo da viação urbana do bonde.

Artigo 2.° - O concessionário abrirá o tráfego de vinte quilômetros de via férrea no prazo de dez meses, sendo dez nos seis primeiros meses e os outros dez nos quatro restantes e estabelecerá as estações e oficinas em lugares determinados, de acordo com o Governo, e submeterá à aprovação prévia deste o plano e planta da estrada e seus ramais.

Artigo 3 ° - Ao concessionário serão garantidos por trinta anos o livre e exclusivo gozo da via férrea e favores da zona por ela beneficiada, e, por igual prazo de tempo, 7% de juros sobre o capital empregado na construção das linhas, oficinas, dependências e trem rodante até o valor de 2. 000: 000,$000 réis.

Artigo 4.° - O Governo do Estado venderá, nos termos da lei em vigor, ou permutará os terrenos do Estado com os do concessionário ou seus prepostos para estações, oficinas e outras dependências da via férrea e cederá para os mesmos fins ao concessionário o direito de desapropriar os terrenos particulares, segundo a lei federal.

Artigo 5.° - No caso de prolongamento das linhas de que trata a presente lei, serão garantidos ao concessionário, sem prejuízos de terceiros e direitos adquiridos, todos os favores especificados no art. 4.°, precedendo, porém, nova concessão legislativa.

Artigo 6.° - Findo o prazo da concessão, todo o material fixo e rodante reverterá ao Estado sem mais ônus.

Artigo 7.° - O Governo, na confecção do contrato com o concessionário, firmará as demais condições, garantindo os interesses do Estado.

Artigo 8.° - Revogam-se as disposições em contrário. Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da presente lei pertencer, que a cumpram e façam cumpri-la fielmente.

O Secretário de Estado a mande imprimir, publicar e correr.
Palácio do Governo do Estado do Amazonas, Manaus, 26 de agosto de 1895, 7.° da República. Eduardo Gonçalves Ribeiro
Publicada a presente lei nesta Secretaria do Governo do Estado do Amazonas, aos vinte e seis dias do mês de agosto de mil oitocentos e noventa e cinco.
Pedro Freire.

Algumas idéias acalentadas pelo governador dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro e depois dele por outros administradores não seriam novas. Essa do estabelecimento de bondes na capital era antiga, implantada durante o regime monárquico. A Lei n° 811, de 30 de junho de 1889, assinada pelo presidente da Província, Joaquim de Oliveira Machado, autorizava a "contratar uma linha de bondes na capital". Só não explicava que tipo de tração, se animal ou a vapor ou elétrica. Entretanto a ideia vem de mais longe, de 1882, quando a Assembléia Provincial do Amazonas recebeu uma proposta dos comerciantes do Pará, Almeida & Fialho, "pedindo um privilégio para estabelecer um sistema completo de viação por meio de trilhos de ferro no perímetro urbano". Na sessão ordinária de 9 de maio de 1884, o deputado provincial Alipio Fleury apresenta
projeto idêntico, justificado pela dificuldade de locomoção dos habitantes de Manaus e pelo progresso que os tramways elétricos estavam proporcionando aos países. Embora aprovada, a medida só seria realidade no advento da República. Em todo o caso, escapamos de ter aquela imagem pitoresca dos coletivos puxa.dos a burros, como se verificam de ilustrações, do Rio de Janeiro e de Belém do Pará.


Os bondes puxados por muares não tiveram aplicação em Manaus, pois deu-se preferência ao célebre locomóvel, uma locomotiva. de tamanho médio (conforme foto original) dotada de composição do tipo combine, de madeira, importada de Chicago. De acordo com a planta publicada pelo dr. Miguel Ribas, a "maxambomba" fazia duas linhas, a número um e a dois, para os populosos bairros de Vila Municipal Operária-Cachoeira Grande e a então Zona de Demarcação e Limpeza (Cachoeirinha). A bitola dessas linhas iria sofrer modificações quando se implantasse o serviço regular de bondes elétricos, que era igualmente uma preocupação dos nossos deputados provinciais, admitida pelos congressistas na jovem República, juntamente com a instalação da luz elétrica, em substituição ao gás Globo. Ora, só havia, para exemplo, em 1888, uma empresa de carros de luxo, de propriedade de Manuel Martins da Costa Serra, com sete veículos tirados por parelhas de cavalos. Com esse diminuto parque de transportes públicos não seria possível à população dos bairros afastados cerca de sete a quinze léguas transferir-se para a cidade e vice-versa sem ônus pesado. Aliás, esse sistema de transporte individual já vinha sendo proposto desde 1870. A instituição do sistema de locomoção, de caráter coletivo, em Manaus, tem início realmente em 1896, oficialmente. O pitoresco é que os fundamentos para a realidade já existente no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e em São Paulo, em pequena escala, diziam respeito a uma bitola diversificada, larga e estreita, com vistas à futura implantação da linha de trolleys ou como veio a chamar-se depois - bondes. O contrato, muito extenso, assim se refere e o perfil dos trilhos poderia ser em forma de U. Nós outros ainda alcançamos esse tipo de bitola e o trilho cavado ou em forma de U. O pitoresco é que mais tatde os automóveis, a partir de 1900, utilizavam, por comodidade (o calçamento era de paralelepípedos de granito originários de Lisboa), a curva macia dos trilhos. Comecemos por um anúncio interessante, estampado no jornal A Federação, de 22 de outubro de 1898, que dizia haverem os moradores da estrada de Epaminondas apresentado queixa. contra as "desconjuntadas locomotivas" do sr. Hebblethwaite (o concessionário) que não deixavam dormir. O jornal solicitava. que as "infernais máquinas" andassem mais devagar. A estrada de Epaminondas (avenida desde a gestão do prefeito Araújo Lima) era o que é hoje a duplicidade Constantino Nery-João Coelho, e o locomóvel citado fazia a linha para o bairro de Cachoeira Grande, ou seja, a primeira linha. Esse tipo de locomoção, que viria à época resolver o problema agudo do transporte coletivo, para passageiros e carga, possuía sua estação primeira na rua que ele mesmo começaria a aterrar, ou seja, no igarapé do Espírito Santo, chamado antes dos Correios e da Alfândega, em vista da presença do prédio destinado às repartições federais. Existe uma notícia da inauguração do locomóvel no jomal Amazonas de 7 de setembro de 1893:

Inaugurou-se no dia 5 do corrente o serviço de aterro do igarapé da Alfândega de que é contratante o sr. capitão Antônio Teixeira de Sousa, sendo a terra necessária para esse trabalho conduzida por um locomóvel a vapor. Depois de lançada a bênção, pelo revmo. sr. cônego Luís Gonzaga de Oliveira, auxiliado pelo revmo. sr. cônego Coutinho, partiu a máquina para o seu destino e voltou, pouco depois, sem acidente algum.



Desse primeiro trabalho, as duas locomotivas passaram a tirar as composições destinadas aos usuários até que fosse instalado o serviço de bondes elétricos, cujo contrato antigo coincidia nos mesmos termos com o do locomóvel. Mas os acidentes não seriam de lamentar, talvez até servissem de motivo para muitas piadas, de que a verve popular anda sempre bem servida. Não seria por menos que um poeta escreveu e alguém musicou a seguinte cançoneta que foi muito conhecida naquéles idos: "A maxambomba virou, / não foi culpa do vagão, / foi por causa da madame / com seu largo barracão" . São quatro estrofes alusivas aos enormes chapéus femininos usados naquela época e não propriamente à locomotiva.
Mas não durou muito tempo a experiência, pois o contrato, que previa a instalação dos bondes elétricos, passou a constituir realidade muito mais proveitosa e quiçá de âmbito mais amplo, resolvendo mesmo o problema do tráfego. Só não ajudava de um modo mais profícuo a questão da carga. Para isso ficou convencionada a adição de um bonde cargueiro, que já no meu tempo seria eliminado da circulação porque a profusão de carroças de condução, por tração animal, veio aliviar a população daquela dor de cabeça diária. Certamente que este último veículo não foi introduzido em Manaus em razão da instalação dos bondes: já havia carroças em Manaus desde 1870, pois nesta data já se sabe da existência de carros de pão, carros de luxo, carros para isso e aquilo, até para o transporte de excrementos animais. Mas as carroças tiradas a burro proliferaram tanto que se constituíram um pesadelo idêntico ao motivado pelos aguadeiros desaparecidos por força da implantação dos serviços de água encanada. Tanto que em 1917, numa pesquisa realizada no arquivo da Associação Comercial do Amazonas, encontrei uma nota sobre a greve levantada pelos carroceiros, que causaria sério transtorno ao comércio de Manaus e aos particulares que dependiam deles para servïços de transporte de bagagens e de carga dos subúrbios.
A instalação do serviço regular de bondes não pertence justo ao período governamental de Eduardo Ribeiro, embora ele haja contribuído para a inauguração efetuada no dia 1° de agosto de 1899. Mas, em 1894, já se lê um edital no Diário Oficial do Estado de 10 de outubro; chamando concorrentes. Pitoresco é que a seguir, em novembro daquele ano, dia 30, já eram enviadas as propostas ao governador. Tanto corria o progresso na região!
Entre as boas iniciativas propostas e/ou executadas pelo capitão dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro, figura cimeiramente o cuidado pela Educação.
Não se pode deixar de convir que aos governos anteriores esse cuidado fosse relegado, isso não, a prova é que já haviam sido instalados o Seminário Episcopal, o Instituto de Educandos Artífices, o Museu Botânico do Amazonas, o Liceu Provincial e Escola Normal, além de que abundavam as sociedades de interesse cultural, incluso uma Academia de Belas Artes. Tudo isso, porém, ainda não era o verdadeiro programa educativo, que deveria começar pelo primário e secundário. Se é verdade que a educação e a instrução não foram desassistidas nos governos provinciais, é também verdade que as sedes escolares em todo o Estado e principalmente na capital deixava n a desejar pela carência de instalações adequadas e de professores credenciados. Depois daqueles célebres "professores régios" que, suntuariamente no período colonial, rareavam na região, ficando a cargo dos jesuítas a educação primária, a Província começa a dilatar o esquema de educação e instrução do povo. Seu primeiro presidente, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, é também o pioneiro na outorga de um plano eficiente de educaçâo, publicado quando de sua ocupação presidencial. Mas antes da República os governos provinciais ajudavam os jovens com mesadas para estudos na Europa e nâo foram poucos os que se beneficiaram com isso. A República entretanto estava mais aquinhoada com os modelos europeus, principalmente franceses e alemâes, e poderia deixar-se emancipar da tradicional Coimbra. Pelo menos é o que surge de novo na iniciativa dos governos republicanos, sem que isso nos leve a perdoar o republicanismo pelos erros cometidos contra o monarquismo, isto é, contra as iniciativas tomadas durante a Província, como 0 fechamento do Museu Botânico do Amazonas e a extinçâo da Academia de Belas Artes. Talvez com isso pretendesse o governo dar uma satisfação "politica" ao novo regime, o que nos parece discordante e até certo ponto perigoso. Em todo o caso, outros benefícios, como o hospício para alienados e o dedicado às moças órfãs (este um produto da Província), tiveram nele, Eduardo Ribeiro, e ainda em homenagem à jovem República, piedoso acolhimento. Mas esse "piedoso" acolhimento não possui uma virtual compensação senão da parte do mérito positivista, pois eliminou o conceito religião para adotar o conceito racionalismo. O que havia de substrato cristão ria educação colonial-provincial foi varrido quase ostensivamente pela novel República. Entende-se que estamos raciocinando em termos de cristianismo experimental e não em obediência a um esquema filosófico-teológico. O espírito de humanidade não foi obstado nem recolhido; ao contrário, tornou-se mais humanizado na forma de benefícios diretos, porém a religião catecismática foi relegada aos ambientes nitidamente religiosos, do tipo igrejas, asilos, onde pontifìcavam irmãs de caridade contratadas.
A fim de sustentar esses princípios racionalistas, o governador dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro deu nova orientação ao ensino público, porém fez melhor do que haviam realizado seus antecessores: mandou construir escolas apropriadas, amplas, ventiladas, com terrenos adjacentes para o recreio das crianças. Escolas que começaram por obedecer a um estilo arquitetônico unificado, com frontaria simpática e uma figuração em relevo; um livro aberto a que se apoiava uma pena, o calamus de ave. Mais tarde, esse estilo seria refugado pelos inovadores, mas isso não oferece motivo para críticas, uma vez que foi ensaiado um novo estilo mais inclinado para o colonial, com teorias de lambrequins, escadarias de pedra liós de Lisboa, grades e portões trabalhados, de importação inglesa, conforme ilustrações. Por isso, a Lei n° 24, de 22 de outubro de 1892, autorizava o governador do Estado a reformar a Instrução Pública. Mas reformar para melhor. A lei seguinte, número 55, de 28 de setembro de 1893,.autoriza o governador a "restabelecer e transferir escolas do ensino primário em diversas localidades do Estado", quer dizer: em resumo, criar uma escola de ensino misto primário na povoação de Uariri, rio Solimões; boca do rio Aripuanã; São José do Amatari; Esperança no rio Javari; e outra na foz do rio Apucuitaua (município de Maués). Restabeleceu as escolas de Moreira no rio Negro, e mista de Badajós (lago); transferida a do quarto distrito policial de Quari para o lugar de Torocai e do quarteirão de Pariatuba, município de Manaus, para o lugar denominado Santo Antônio, no mesmo quarteirão. Nesse mesmo ato declarou receber o professor titulado pela Escola Normal os vencimentos de terceira entrância em qualquer cadeira em que estiver sediado. A Lei n° 48, de 2 de setembro de 1893, aumentou os vencimentos dos professores do ensino primário, equiparando às entrâncias das cidades e vilas.
Essa preocupação com o ensino estadual não ficava. somente em transferir, por comodidade, escolas de um lugar para outro, atendendo muitas vezes a conveniências particulares (não no caso), mas estendia benefícios a escolas de primeiras letras particulares, colégios orientados por processos avançados imitados da Europa. Verdade que muitos dos colégios existentes já foram instalados no tempo da Província, mas o governo ajudava. financeiramente, isto é, subvencionava.-os e, ainda mais, custeava estudos de moças e rapazes pobres, tanto em Manaus como no estrangeiro. Já se falou nisso antes, de passagem. Igualmente já fizemos referência àquele curso de Agrimensura, que a Lei n° 69, de 24 de agosto de 1894, mandava criar e anexar ao currículo do Ginásio Amazonense e que funcionaria belamente como o primeiro e bem-inspirado anexo de caráter superior, pois os cidadãos formados gozavam dos "privilégios" dos agrimensores titulados pelas escolas militar e politécnica do Brasil. Seria naquele então uma grande aventura pelo ainda virgem caminho universitário, caminho que só seria realmente aberto em 1904, com a idealização da primeira Universidade brasileira em Manaus, universidade que só começaria a funcionar em 1909.
Já a Lei n° 82, de 24 de setembro de 1894, autorizava o governador do Estado a restabelecer as escolas do sexo masculino de São Paulo de Olivença e Camará (município de Quari) e criar outras em Boa Esperança, paraná de Silves; Carauari, município do Rio Branco (hoje Roraima); uma em Urucurituba; outra em Tarumâmiri (Manaus); outra no Careiro (da boca do Cambixe para baixo); em Amaturá (São Paulo de Olivença); Terra Nova; paraná do Pantaleão, no rio Autá-açu (grafava-se certo, naquele tempo); uma no Aiapuá; uma na povoação "que fica à margem da Cachoeira Grande"; uma no Cacau Pirera (está grafado Pireira); outra no Jabará, foz do rio Japurá, município de Tefé; uma no Rosarinho, município de Borba; uma na povoação de Sacambu, no rio Solimões; e uma mista no lugar Campinas, segundo distrito de Manacapuru.
O parágrafo único dessa lei manda extinguir as escolas mistas das vilas de Silves, Urucará, Moura, São Gabriel e Antimari do rio Anumã, e em seu lugar criadas duas, uma para cada sexo. Não se pode dizer menos de um governo que instalava. nos longínquos limites do território amazonense - Sacambu uma escola para as crianças. O lago Sacambu (peruano) ainda é hoje deserto, uma imensidão de vazio.
A Lei n° 85, de 1 ° de outubro de 1894, autoriza o governo a mandar construir prédios para escolas e cadeias. Na impossibilidade de citarmos a lei completa, resumimos, a fim de não prejudicar o volume deste trabalho: o artigo 1 ° autoriza o governo a mandar construir dois prédios em Canutama, sendo um para a cadeia e outro para escola; o mesmo nas vilas de Silves, Urucará, Barreirinha, e dois para a de Manicoré, despendendo-se a quantia de duzentos contos de réis cada um prédio. A Lei n° 86, de 1 ° de outubro de 1894, manda construir em Maués um prédio com capacidade para a instalação da coletoria com duas pattes para escolas. Isso que se lê acima não conclui a prova de capacidade administrativa do dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro. Será preciso indicar, logo aqui, que sua atenção estava, voltada igualmente para certos problemas que estava n em analogia com a educação, como, por exemplo, o desentupimento dos canais em frente à cidade de Tefé e de Barreirinha, a aquisição de um quadro magnífico (óleo sobre tela) de Aurélio de Figueiredo, aposto no hall da Biblióteca Pública do Estado etc. A Lei n° 122, de 16 de agosto de 1895, manda criar escolas mistas nos lugares Fortaleza, Beruri, Bom Lugar; rio Purus; Ressaca, Urucurituba; Janauacá, Terra Vermelha; uma no igarapé do Boto, em Parintins; duas em Manaus, uma no bairro da Cachoeira Grande e outra no bairro da Cachoeirinha; uma no Tabocal, uma em Urariquera, Rio Branco, lugar denominado Aparecida; e outra no rio Japurá, lugar Jabará. De outro governo não se tem notícia de haver dedicado tanta atençâo pela instrução primária e secundária, pois que o Ginásio Amazonense só
foi concluído em sua gestão. Além do mais, foi ele o criador de uma primeira escola para rapazes empregados do comércio ou que desejassem seguir naquela estrada. Monumentos como o da praça de São Sebastião, Tenreiro Aranha e outros que não chegaram a ser adquiridos - estátua a Floriano Peixoto - são inspirações do seu governo. A Lei n° 128, de 9 de setembro de 1895, manda reformar o regulamento do Ginásio Amazonense e Escola Normal "na parte que julgar conveniente". A Lei n° 130, de 30 de setembro de 1895, manda criar várias escolas no Estado do Amazonas: uma mista na povoação de Boa Vista, rio Negro; uma para o sexo masculino no lugar Lajes, próximo de Manaus; uma mista em Arapapá; e uma para o sexo feminino no bairro dos Remédios. Após essas digressões pela seara da educação, ainda falta dizermos algo sobre o Instituto Benjamim Constant, elevado por Eduardo Ribeiro à dignidade de estabelecimento-padrão para moças órfãs. Essé magnífico instituto - que como o de Afonso Pena, em Paricatuba, para rapazes, compatibilizou o governo maçônico de Eduardo Ribeiro com a atmosfera religiosa de Manaus, tirando aos maliciosos a vontade de menosprezar a obra -, essa instituição valiosa, hoje transformada em unidade escolar de primeiro grau, foi uma inspiração provincial. Criou-a o erudito dr. Teodureto Carlos de Faria Souto com a denominação de Asilo Orfanológico Elisa Souto (homenagem à sua senhora), mas era, naquele então, um prédio acanhado da rua de Saldanha Marinho, ao lado do atual Colégio Salesiano. Eduardo Gonçalves Ribeiro adquiriu por compra o prédio do barão de São Leonardo, que constituía uma quinta ocupando todo o quarteirão entre atuais ruas de Ramos Ferreira-Leonardo Malcher e de Torquato Tapajós-Ferreira Pena. Seu ideário era construir em um espaço mais amplo o majestoso edifício do futuro Palácio do Governo, levantado realmente no local onde está o malconstruído Instituto de Educação, ex-Escola Normal. Ao mesmo tempo, Eduardo Ribeiro mandou construir a ala direita do referido prédio residencial do barão de Sâo Leonardo, ampliá-lo, ajardiná-lo e dotá-lo convenientemente, passando-o à direção das irmãs de Santa Ana, o que prova não haver da parte dele nenhuma má vontade para com o catolicismo.



NOTAS

(39)
Com o Decreto n° 6, de 9 de novembro de 1891, o dr. Gregório Taumaturgo de
Azevedo homologou o decreto anterior e ampliou-o.
A sede iria ser no triângulo formado pelas ruas hoje do dr. José Paranaguá,
de Marcílio Dias e avenida Sete de Setembro, praça
denominada imbecilmente de Roosevelt. Com a fundação da Universidade Livre de
Manaus, a Escola Agronômica foi inaugurada no dia 29 de abril de 1912,
com a denominação oficial de Escola Média de Agricultura, mais tarde Escola
Agronômica de Manaus.

(40)Mário Ypiranga Monteiro, Fundação de Manaus






A trajetória de Eduardo Gonçalves Ribeiro VII - MÁRIO YPIRANGA MONTEIRO


CAPÍTULO 7


CINZAS E DIAMANTES

Taumaturgo, Eduardo Ribeiro, Fileto, José Ramalho, fizeram de Manaus a mais confortável e moderna cidade brasileira daquela época. Abandonemos, duma vez por todas, essoutra lenda de que Manaus é obra exclusiva da administração
do "Pensador'; pois que, se durante os seis anos de seu governo pôde efetuar a maior parte da construção da capital, nem por isso outros governadores, igualmente valorosos e capazes, deixaram de trazer extraordinária contribuição ao admirável esforço comum para o progresso da cidade-chave da barelândia.
Júlio Nery, Um governador do Amazonas.

Tornou-se lugar-comum admitir-se tudo quanto Manaus possui de bonito e de moderno ao governador dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro. Esse processo de julgamento distorce a imagem de administrações provinciais e obscurece igualmente a paisagem progressista de Manaus no tempo da monarquia. Não se pode deixar de levar em conta que a Província está na órbita da História quando se deseja formular uma opinião decisória. Precisamente é durante o período pós-colonial que têm início as tentativas bem-sucedidas de melhorar a fisionomia da chamada "urbes aquática". Essas tentativas se tornam realmente melhores quando ao Amazonas é dada a condição de governar-se, isto é, passa à condição de Província autônoma, pois, enquanto esteve sob a tuteia do Pará, nada foi realizado em proveito, tirante o governo dinâmico do dr. Manuel da Gama Lobo d Almada, um homem de visão que por isso mesmo foi impedido de trabalhar. É suficiente uma leitura rápida pelos Anais da Assembléia Legislativa, do Amazonas, no período de 1852 a 1889, para ter-se uma ideia geral do entusiasmo com que nacionais e estrangeiros pretendiam modificar a facies da cidade, a cultura, a administração emperrada e os serviços que viriam beneficiar a população e o comércio. Não é vocação da República nem de governos ditos democratas-republicanos, apenas, e refraseamos: apenas, as iniciativas tomadas em ordem a dotar a cidade de serviços e instalações adequadas, que correspondessem às exigências do comodismo e às necessidades implantadas já no Velho Mundo. O dr. Júlio Nery, filho do sr. Silvério José Nery, mostrou-se bem aparelhado a informar aquilo que sempre dissemos sem tentar menosprezar a obra de Eduardo Ribeiro mas com vistas a um primado de justiça histórica: muitas realidades que alcançamos e muitas comodidades que usufruímos foram pensadas e admitidas no regime monárquico, discutidas e aceitas pelos nossos deputados provinciais e pelos presidentes da Província. Eles também cuidavam dos problemas angustiantes da navegação a vapor, do transporte urbano, do fornecimento de água potável direta à população, dos serviços de esgotos, do aterro das ruas, da abertura de estradas carroçáveis, da iluminação pelo sistema elétrico, da oferta de divertimentos sadios ao povo, da educação e instrução primária, secundária e técnica, dos orfanatos e casas de saúde, do bem-estar da população, e essa política aberta não excluía o jornal, a biblioteca, o seminário episcopal, o aterro inicial de igarapés, a construção de pontes de madeira, a abertura de ruas e praças, a ajuda de custo a todas as propostas consideradas necessárias ao bem-estar da população, o incentivo a estudantes pobres, a construção de igrejas na capital e no interior, de escolas primárias diurnas e noturnas, incentivo à agricultura, alinhamento das casas, proibição de abusos contra a higiene pública, coleta do lixo particular e público etc. Poder-se-ia argumentar não haver misoneísmo da parte dos responsáveis pelo que pareceria novidade. Em uma época em que a carência de profilaxia e de higiene estumava. a proliferação de doenças fatais, os chamados médicos de partido atendiam a população civil e os militares até que fossem instalados os hospitais para o que a Província concorria com grande numerário.
Repetimos, muita ideia que pareceria nova e recente ao surgir da República já era explorada com rendimento e sucesso nos idos da Província. Seria erro histórico apadrinhar uma primazia afeta ao dinamismo do governador dr. Eduardo Ribeiro. O curioso é que até se exorbita, atribuindo ao malogrado homem certas conquistas utilitárias que tiveram o apoio antes da República, de mesmo que a ele se atribuem inovações justamente partidas de sucessores. Até esse ponto o dr. Júlio Nery está correto no julgamento. Entretanto que não seria verdade, por exemplo, chamar para aqui a pessoa do seu genitor na qualidade de construtor de Manaus. É certo que ao coronel José Cardoso Ramalho e aos governantes Taumaturgo de Azevedo e Fileto Pires Ferreira, àquele mais que a estes, que governaram pouco tempo, o Amazonas pode dever alguma coisa do que resta do seu patrimônio histórico. Mas ao sr. Silvério Nery não. Pelo contrário, como deixamos dito, suas idéias não passaram do papelório, embora fossem na verdade grandes projetos, admiráveis projetos, faraônicos projetos... Já a seu irmão Constantino Nery se pode com justiça considerar um benfeitor da cidade, haja vista os imponentes prédios da Biblioteca Pública e da Penitenciária do Estado.
A situação era, ou é, esta: a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. O jornal amazonense A Federação, de 30 de setembro de 1898, publicou uma lista das obras realizadas pelo dr. Eduardo Ribeiro, lista que foi reproduzida na revista italiana L' Amazzonia, de 15 de outubro do mesmo ano, portanto com uma diferença de àpenas quinze dias! Desse rol constam trinta trabalhos iniciados ou reformulados, assim enumerados:

 - Nivelamento e embelezamento de dois terrenos na cidade de Manaus
- Abertura e nivelamento dos bairros novos da Cachoeira Grande e Cachoeirinha(30)
- Pavimentação com paralelepípedo de granito das praças da República e da Constituição
- Pavimentação a paralelepípedo das ruas da Instalaçâo, Municipal e da plataforma da Catedral
- Pavimentação a pedra tosca de várias ruas adjacentes
- Construção da avenida de Eduardo Ribeiro
- Construção do jardim da praça da República
- Construção do jardim e gradeaménto da Catedral
- Levantamento da planta cadastral da    cidade(3l)
- Edifício do Diário Oficial e respectivo jornal(32)
- Edifício do Instituto Benjamim Constant para órfâs(33)
- Seis escolas públicas primárias em Manacapuru, Humaitá e Lábrea
- Reorganização radical do ensino no Ginásio e escola Normal
- Ereção não terminada do Instituto dos Educandos
- Reorganização da Biblioteca Pública
-Criação de um hospício para alienados - Hospício Eduardo Ribeiro - sob direção das irmãs de
   Santa Ana(34)
- Ereção não concluída do Palácio do Governo
- Novo edifício do Quartel do Regimento Militar do Estado(35)
- Teatro Amazonas
- Reservatório de água do Mocó


- Contrato de navegação para o Mediterrâneo, com escalas
- Distribuição das terras baldias do Estado para cultivo
- Abertura da estrada Manaus - Campos Gerais do Rio Branco
- Pontes de ferro da Cachoeirinha e Cachoeira Grande
- Pontes romanas da rua Municipal
- Ponte de madeira no bairro da Cachoeirinha
- Fonte monumental da praça 15 de Novembro(36)
- Iluminação elétrica a arco voltaico, a primeira implantada no Brasil
- Telégrafo subfluvial
- Projeto do Código de Processo Criminal


Lendo-se o que acima ficou escrito, tem-se a impressão imediata de haver sido escamoteada grande parte do rol de coisas doadas à cidade pelo ilustre administrador. E que não são coisas despiciendas. Faltam ali precisamente os elementos mais essenciais a um governo: a Instrução e a Saúde. Disso cuidou religiosamente Eduardo Ribeiro, bem como do Transporte, da Colonização, da equânime distribuição de terras aos menos afortunados, muitas vezes por preço inferior ao tabelado ou até de graça; a ver as terras marginais das estradas da colônia Maracaju e da estrada carroçável para o Rio Branco, munificência já apontada no rol acima, mas de maneira insuficiente. Pois na verdade o grande mérito da colonização do Amazonas no governo Eduardo Ribeiro foi, posto ter sido ela preocupação anterior, a partir de 1877-1888 - diga-se justo -, a criação da Colônia Santa Maria do Janauacá, onde ele conseguiu plantar engenhos de moer cana e fabricação de açúcar mascavo e aguardente. Outros benefícios maiores e menores serão aqui e ali apontados, em ordem a um possível completo balanço do que ele encontrou por fazer e terminou, do que fez (suas idéias próprias) e deixou por fazer, e que outros, sob a máscara da negligência ou da maldade, corromperam, destruíram, abandonaram ao lixo, à rapina. Refiro-me muito especialmente ao majestoso Palácio do Governo, no alto da avenida de Eduardo Ribeiro, sobre cujos sólidos alicerces foi construído 0 Instituto de Educação do Amazonas (Escola Normal), uma obra destinada à contemplação e serventia dos pósteros, sem dúvida alguma um dos maiores edifícios do Brasil. Efetivamente, a dívida pública deixada por Eduardo Ribeiro foi insignificante, comparada com os desvarios orçamentários de seus sucessores, pois houve um saldo no Tesouro, reduzindo-se a dívida, que era 1.580:550$006 em 1893, para 321:116$575 no orçamento 1896-1897(37). Na verdade, Eduardo Ribeiro deixou de satisfazer a certos compromissos assumidos em sua gestão, por exemplo, alugueres de casas para repartições, mas isso consta lisamente dos papéis oficiais exibidos no Auto de Avaliação de seus bens. O desgaste do Tesouro começa no governo Ramalho Júnior e alcança o cataclismático na gestão do coronel Constantino Nery. O governo seguinte, do dr. Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, vai encontrar o Estado em franca bancarrota, com uma dívida flutuante de 27.878:030$167. Esse bem-intencionado governador, que vinha das hostes do Partido Nacional, nada pôde fazer em benefício da cidade, pois primeiramente cumpria enfrentar a enorme lacuna deixada no erário público. E, para cúmulo, os eternos inimigos do regime, os arruaceiros que vinham de décadas atrás, promoveram a mais sangrenta rebelião que a cidade de Manaus já suportou, com centenas de vítimas inocentes, destruição da fazenda particular causada pelo bombardeio de Manaus no dia 8 de outubro de 1910.
A atuaçâo politica de Eduardo Ribeiro pode não haver tido beneplácito dos que o cercavam, daí as traições costumeiras, mas a orientação administrativa. foi modelar. Nâo se poderia exigir de um quatriênio e de mais alguns meses maior rentabilidade em termos de expansão construtiva. Isso é que sabidamente incomodava a muitos. Ele possuía a febre da criação, seguia contaminado do vírus da capacidade construtiva. Mais que nenhum outro chefe de Estado, seu tempo de governo foi dedicado ao trabalho de dotar a cidade de melhoramentos e de comodidades. Já fizemos valer essa notória capacidade de trabalho, essa energia contaminadora, que o levava. a estabelecer linha de navegação para o Maranhão, a mandar vir colonos e operários maranhenses; pois as obras novas exigiam mão-de-obra especializada, . adjutórios extras, tantas as disponibilidades chamarizes do braço trabalhador, tantas as escavações, as paredes, os tetos, as valas, os aterros, as pontes, os desmontes, aqui, acolá. Em seu governo, a migração foi a mais bem-dirigida, a mais bem-condicionada às circunstâncias, sem indisciplina, eleva.da ao ponto da dignidade transumântica elegida.


Não foi aquele êxodo motiva.do pela geografia das calamidades que atirou na Amazônia uma chusma de cegos, aleijados, famintos, retirados apressadamente das prisões e mandados povoar uma terra que se encarregou da seleção natural, eliminando os fracos e enriquecendo os fortes, porque houve igualmente centenas de privilegiados, de honestos trabalhadores. Para acolher toda aquela mesnada o dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro estabeleceu três colônias distantes de Manaus: uma em Paricatuba, à margem direita do rio Negro, outra no Umirizal e a terceira ao longo da estrada então conhecida por de Epaminondas. A princípio, aquela gente vinha para a lavoura. Seria uma época de prosperidade econômica, à outra luz, não fosse a imperdoável mania dos administradores de modificar a seu talante a politica encaminhada pelo antecessor(38). A colônia de João Alfredo, que veio a ser a de Campos Sales, possuía todas as condições para manter a população de Manaus sem necessidade de importar enlatados, de recorrer às fontes de produção escassa do Careiro, dos Autazes, da colônia de Santa Maria do Janauacá, fundada por Eduardo Ribeiro (Diário Oficial, 17 de janeiro de 1896) e logo mais homologada a Lei n° 148, de 31 de maio do mesmo ano, que contrata linha de navegação para aquela localidade. Não seria apenas esta a preocupação do administrador para com os colonos. Antes já fora publicada a lei subvencionadora da linha de navegação a vapor para os lagos Autazes, onde frutificava uma excelente colônia (hoje é município) dedicada ao pastoreio e à agricultura. É ainda a região do leite e dos bons queijos e manteiga. Mas na colônia do lago Janauacá ele providenciou o estabelecimento de engenhos de moer cana, engenhos que viveram até o advento da revolução de outubro de 1930 (e até mais tarde), quando o caudilho Getúlio Vargas mandou acabar com os engenhos produtores de álcool, cachaça e açúcar mascavo, a fim de proteger-se o Nordeste e São Paulo! Política nociva de boicote da economia de um Estado pobre.
O que é bom ressaltar nas idéias de expansão econômica lateral ao produto-rei (borracha) eram as soluções administrativas. Por exemplo, a Lei n° 120, de 1° de maio de 1895, autoriza o Poder Executivo a introduzir no Estado famílias de imigrantes naturais das Antilhas, ilhas Baleares, Canárias, Açores, Espariha e Japão, dando-se preferência "àqueles que forem chamados por parentes já estabelecidos no Estado". E outras sábias providências. Para essas famílias constituídas havia passagem gratuita e locação na Hospedaria de Imigrantes, um vasto prédio situado no aprazível recanto de Paricatuba, perto da capital, prédio que mais tarde seria convertido em lazareto e penitenciária. Imagine-se a razão pela qual utilizo a referência às obras de Eduardo Ribeiro pelo binômio "Terra-Homem" e não pela comum e cediça tarefa de reconstrução da cidade. O que acredito seja mais importante na obra do administrador consciente foi a inclinação para o elemento humano desamparado, uma vocação protecionista que declina muito bem sua negritude, pois, além dos branquióides europeus e insulares, não esqueceu as gentes de cor das Antilhas, como não esqúeceria as do Maranhão. Os barbadianos, cubanos, haitianos, tanto quanto açorianos e ilhéus do Mediterrâneo europeu e árabe não foram em pequeno número solicitados. A colonizaçâo dirigida com prudência reservava aos casados com filhos menores uma parcela de consideração, pois além dos destinados à lavoura, que recebiam seu chão de graça, permitia-se que os operários de qualquer ofício ficassem por decisão própria onde melhor lhes conviesse o trabalho remunerado.Antes dessa disposição legal,a.s migrações desordenadas,sacudidas pelo interesse particular nos rios produtores de goma elástica,não se apoiavam em regulamentação proficiente. A abertura do mundo amazônico para esse tipo de transumância encontrava no administrador um compromisso de honra, e pode ler-se nas coleções de leis outras providências para o estabelecimento de linhas de navegação a vapor para Mal·és, Purus, Rio Negro, e para o estrangeiro e portos nacionais. Não se cuide numa elementar e exclusiva inclinação para o majestoso, o monumental fixado em termos de arquitetura apenas. Havia igualmente o monumental em obras destinadas a fixár o homem na terra, a dar-lhe trabalho condigno, a fazer a terra explodir em fartura de cereais e tubérculos, pomares e quintais. Uma contrapartida à fácil tradição do extrativismo, que a alguns parecia a galinha dos ovos de ouro mas a outros mais prudentes não convencia, chegava até a causar medo pânico. Seriam necessárias muitas páginas para transcrevermos os documentos referentes a essa atividade, até os regulamentos das leis de terras que os administradores modernos nem conhecem nem fazem questão de conhecer, embora muitos se intitulem arrogantemente "amigos do trabalhador rural", "intérpretes da necessidade pública" e outros arrancos demagógicos. Em Eduardo Gonçalves Ribeiro nâo havia promessas, havia o sentido lúcido e atual da implantação dos serviços utilitários. Até suas mensagens são esquisitamente breves e pouco volumosas em comparação com as mensagens campanudas dos sucessores até nossos dias. Este é, a par da documentação escrita, o pano de amostra da fotografia nítida, grauda, convincente.

NOTAS

(30)O serviço, uma urbanização
técnica invejável, foi executado pelo engenheiro joão
Miguel Ribas.

(31)
Essa planta não seria concluída. O Decreto n° 447, de 22 de setembro de
1900, de autoria do sr. Silvério Nery, declarou nulo o contrato
sob a alegação de que era oneroso para o Estado.

(32)Ver Mário Ypiranga
Monteiro, Notas sobre a Imprensa Oficial.


(33)O prédio, consoante
ilustração, seria. colonial e de propriedade do
barão de São Leonardo.


(34)Foi instalado na chácara adquirida ao dr. Miranda Leão, na rua de Ramos Ferreira, em frente ao antigo forno crematório ·

(35)O edifício do Quartel foi ampliado para o lado direito, pois havia sido o palacete do argentário Garcia.

(36)Por praça 15 de Novembro entende-se o antigo largo da Imperatriz. Após a
proclamação da República, o exagero patriótico tratou de eliminar tudo quanto rescendia a monárquica, a fim de que governos e autoridades não ficassem comprometidos.

(37)Oficialmente diz-se: 141:875$637 réis, débito público de
que ele não fez mistério, pois no inventário, entre seus papéis, aparecem lembretes
referentes a dívidas a esse e àquele, que, deixou de satisfazer em tempo hábil mas
não esqueceria.

(38)
Lei n° 51 de 23 de dezembro
de 1893.


segunda-feira, 23 de maio de 2016

A trajetória de Eduardo Gonçalves Ribeiro VI - MÁRIO YPIRANGA MONTEIRO



CAPÍTULO 6


SEGREDOS E MISTÉRIOS


Quem foi a pena que se lembrou de memorizar a pessoa de Eduardo Ribeiro? Quem foi o governo que se lembraria de erguer uma simples herma ao grande benfeitor da cidade? Existe uma lei, não revogada, que autorizou construir-se um monumento ao ex-governador e ex-deputado estadual. Igualmente foi autorizada a feitura dos retratos do dr. Eduardo Ribeiro e coronel Ramalho Júnior para a Intendência Municipal, porém é duvidoso que tais retratos ainda existam depois da lavagem despectiva dos governos sucessores(27). Nenhum deles se deu ao empenho de erigir o monumento porque ainda estava fresca a ojeriza ao grande morto. Nenhum. Os que sucederam ao coronel Ramalho (e este está incluído no rol dos ingratos) faziam causa
comum com a atmosfera de antipatia à memória de Eduardo Ribeiro, e não duvidamos dé escrever a causa: eram ainda os velhos inimigos, os promotores das arruaças de 1892-1893. Outros apenas compraram a briga: Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, Jônatas Pedrosa, Pedro de Alcântara Bacelar e o velho "chinês paliteiro" César Augusto do Rego Monteiro, o caloteiro-mor do funcionalismo, que por ocasião das festas da Independência do Brasil ofereceu aos gozadores sociais um baile à Segundo Império no Palácio Rio Negro, enquanto lá fora o povo morria de forne.
A propósito, cabem aqui mais duas versões sobre a morte misteriosa do dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro. Uma das mais antigas versões populares que conheci dizia que o.Pensador fora envenenado com um charuto. A segunda, só recentemente conhecida, afirma havê-lo sido "a mandado do barão de Santa-Anna Nery". Não apoiando a segunda , por muito incoerente, deixamos de lado a primeira por não comprovada. Entretanto ela é verossímil.
Tanto quanto a velha desconfiança de que fora envenenado com ervas trazidas de Santarém. O que não podemos deixar de confirmar é que havia dolo na afirmação "é preciso liquidar o negro". O que nos resta opinar, e isto é uma opinião pessoal, é que Eduardo Ribeiro deixou uma obra à vista, uma mensagem de sua capacidade criativa, enquanto muitos dos seus detratores só nos legaram leis, decretos, papéis, projetos, vítimas imoladas, empastelamentos de jornais, dívidas, calotes. Fazemos uma exceção para o coronel Constantino Nery: aí estão os ed ifícios da Biblioteca Pública e da Penitenciária, mas também ele se afundou nas negociatas dos empréstimos e da emissão de apólices, um craque nas rendas do Estado. Mas, à procura da verdade, devemos levar em consideração umas tantas circunstâncias ainda referentes à morte do dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro. Cerca de três meses após a assunção do cargo de governador do Estado, o sr. Silvério José Nery teria de haver-se com o problema da morte suspeita do dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro, o inimigo número 1 da família. As desconfianças se aproximam muito, embora não estejamos pretendendo afiançar nada de definitivo nem acusar ninguém sem provas. O sr. Silvério Nery dá o comando do Batalhão de Segurança ao major Adolfo Guilherme de Miranda Lisboa, comissionado tenente-coronel. O primeiro ato daquele péssimo cidadão amigo do dr. Constantino Nery é elaborar um relatório sobre o estado "indisciplinado e péssimo" dos soldados sob seu comando. Começou mal, numa sórdida vingança contra os mesmos soldados que puseram cerco ao 36° BI. Aliás, o caráter desse militar que depois passaria a superintendente da capital era repugnante: sua folha corrida acusava atos pregressos de violência inaudita, no Pará, e seria ele o comandador dos empastelamentos dos jornais de Manaus e do assassinato do primeiro jornalista manauara, Osvaldo Batista, do Correio do Norte, jornal da oposição. Nessa atmosfera de arbitrariedades, de assaltos ao Tesouro, de mandonismo e de politiquice desvairada feita na base da traição e do sabujismo, havia foliculários com capacidade de coragem para escrever o que segue, referindo-se ao sr. Silvério José Nery:

Por que os não deporta para o Rio Branco, como fez a Luís Galvez? Por que não os assassina, como fez ao malogrado Pensador? Por que não os vende a retalho como está fazendo ao Amazonas, hipotecado a ingleses e norte-americanos? - L. O.
(A Província do Pará, 10 de outubro de 1902).


Havia ambientação para o sinistro desfecho? Havia... O antigo alferes "parlamentar" Adolfo Guilherme de Miranda Lisboa, que muito serviria aos patrões Constantino Nery e general Bento, durante a sarrafascada de 1892-1893, agora dispunha de crédito politico, era cumpridor de ordens do governador Silvério. Enriqueceu, foi a Paris, foi nomeado superintendente da capital, deixou nome, construiu um palácio na Vila Municipal Operária e se foi depois. Cerca de cinqüenta metros adiante o coronel Constantino Nery mandou construir também o seu palácio, que ficou apenas nos muros, na esquina das ruas Teresina e Maceió. É que, como diz a sabedoria popular, "casa de esquina, morte ou ruína". O mandonismo expirou e com ele os frutos maléficos. Todos eles se foram, amaldiçoados pelo povo. Mas o coronel Constantino Nery teve sorte ma.is ingrata: dentro do seu palácio - sinfonia inacabada - cresceu uma árvore, que eu, ginasiano, cansei de ouvir dizer ser o "fantasma do velho Dinis"(28).
A alma humana possui uma individuação imprevisível. O mesmo militar que causaria tantos danos a pessoas físicas, em Manaus e Belém, seria, como superintendente de Manaus; um homem operoso. A ele se devem ma.is coisas dignas de mostradas do que ao sr. Silvério Nery governador e senador. Mas desejo especialmente referir aqui a lembrança que teve o superintendente Adolfo Lisboa (o Mercado Municipal leva seu nome na fachada) de ir a Paris e de lá trazer todos os ornamentos para o grande Carnavàl de 1902... E não era carnavalesco, a julgar o que dele escreveu o professor Agnelo Bittencourt: "(...) que foi um esquisitão, um hermético, espiritualmente trancado em si mesmo (...)".
E todavia dele se dizem outras maravilhas: mandou embelezar os bairros denominados Vila Municipal Operária (onde está o chalé estilo art nouveau, pelo povo conhecido corrio Castelinho) e a Vila Lisboa, no bairro do Plano Inclinado. Lá. construiu algumas casas para operários, bonitas residências que nunca foram de operários, realmente, e... apossou-se democraticamente de cinco mil contos de réis, de que jamais prestou contas, seguindo à risca as lições, ainda democráticas e republicanas, dos seus patrões.
Ejusdem farinae...

Há muitos anos foi-me dado de presente por descendente do cidadão Tecelino de Almeida uma coletânea de produçôes desse poeta, poucas em manuscrito, a maioria em recortes de jornais não-identificados. Eu andava interessado em resgatar a memória dos intelectuais da terra e consegui publicar pequeno livro sobre o sergipano Cid Lins, In memoriam de CidLins. Apenas há as iniciais T A., que não duvido sejam do citado poeta. Igualmente não podemos afiançar fosse publicado o soneto, muito descoberto o tema para ser ignorado dos janízaros da política persecutora. Tecelino de Almeida não era, creio eu, pelas informações obtidas de membros da família já distantes de sua época, um homem voltado à luta, nem mesmo daquela espécie de politico que se torna insensível às diatribes dos adversários. Se o poema abaixo transcrito foi publicado não houve repercussão, pois não consegui alcançar nenhuma nota de referência. Em todo 0 caso, vale como um documento à parte, pois é intransigentemente acusativo, não escondendo a participação criminosa da mente e da mão humanas. É de crer-se haja sido o soneto escrito sob a impressão primeira do impacto da morte do Pensador. É de acreditar-se também que ninguém esperasse aquele desfecho trágico. E sobretudo não resta nenhuma dúvida de que o povo jamais pôs crédito num autocídio. Não se apontavam nomes porque num caso semelhante em que a Justiça se empenhou em destruir as provas, nada restaria senão a suspeita tenaz, firme, imorredoura de que liquidaram o negro a fim de se pouparem à maledicência pública.

DIGNA CEDRO

Morreu o Pensador! É o dolorido
grito que se ouve em toda parte aflito,
no lar, na rua, como um eco, o grito
da revolta na dor humana ungido.

O silêncio da cova abscondito
guarda um mistério e o impune olvido
dos seus cruéis algozes, mas duvido
que o remorso se afaste do precito.

Era um justo e amou a terra estranha
que embelezou com seu trabalho insano,
dos maus ganhando a invejosa sanha.

A mão que o fulminou não tem memória,
mas a vítima aguarda lá no arcano
"á Justiça de Deus na Voz da História':..(29)

T. A.


Uma de nossas cruciais curiosidades veio a ser que tipo era o homem Eduardo Gonçalves Ribeiro. Pelas fotos mais expressivas, obtidas quando do apogeu, vê-se que seria baixo e entroncado, pois essa é a impressão que dá sua cabeça inteligente enterrada nos ombros, quase escondendo o pescoço. Alhures fizemos menção a uma possível semelhança, mas sua biotipia de moço não é idêntica à foto mais comum. Valemo-nos para registrar essa distinção do breve retrato que dele fez seu professor Manuel de Béthencourt, em artigo publicado no jornal A Federação de 18 de setembro de 1898, por via da passagem muito badalada do aniversário do Pensador, quando lhe foram prestadas muitas honras, até um banquete no Hotel de França.
Naquela altura, e pelo que salienta o articulista, Eduardo Ribeiro andaria pelos trinta e seis anos, pois nascera, como se disse antes, a 18 de setembro de 1862. Uma idade assaz conveniente para as grandes ilusões com a política e os homens. Manuel de Béthencourt alude de passagem à ingratidão dos homens.
O que nos interessa mesmo no artigo de três laudas e um terço, composição batida, é a imagem física de Eduardo Ribeiro, descrita sucintamente: dizia que há vinte anos, portanto em 1878, era ele articulista professor particular no Maranhão, quando um dia bate-lhe à porta um "rapaz de estatura mediana, magro, de voz abaritonada, fluente no dizer, rápido na emissão do pensamento". Eduardo Ribeiro queria estudar francês e matemática. Naquela altura deveria estar o pretendente com dezesseis anos, portanto era preparatoriano e estaria já com intenções de cursar a Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Na escola particular do professor Manuel de Béthencourt, segundo ele próprio o diz no artigo referido, já andavam os estudantes Pedro Freire, "que se nutria da leitura de Hugo"; Pacífico Cunha "alimentava-se com o credo transformista de Haeckel"; Domingos Machado "preludiava ao seu amor pela gramática e filologia portuguesa"; e Paulo Pereira "se deliciava com a feitura de uns versos". Só se fala no nome de Aluísio Azevedo de passagem, quando da comemoração do centenário de Luís de Camões. Essa plêiade possuía uma academia ou associação literária de que Eduardo Ribeiro era o presidente, talvez líder, associação que disputava o prestígio da atmosfera cultural do Maranhão com outra de igual teor onde Aluísio Azevedo era pessoa de influência. Desses jovens magnatas do pensamento eclético (o articulista deixa entender que seria assim mesmo), tanto o dr. Pedro Freire como Eduardo Ribeiro moviam-se sob a inspiração do triângulo e dos três pontinhos mágicos, ou da pá e compasso.
Um dos particulares da vida de Eduardo Ribeiro, envolvido em nebuloso mistério, é sua ascendência. Parece que ninguém quer falar ou ousa transpor os limites da confidência. Daí supor-se inevitavelmente que sua origem fosse do tipo daquela que humilhava o grande Machado de Assis, filho de lavadeira e de mata-cachorro. As palavras estigmatizantes do major Araripe naquele artigo transcrito parecem levantar a ponta do véu que obscurece o mistério: filho de quem, pobre e sem nome, fez-se gra~as a um estimulo interior, escravo com toda certeza alforriado e também arrastando uma tara que se manifestaria no homem adulto. E qual seria, ao fim e ao cabo, a impressão do major Araripe ao saber do "suicídio" do dr. Eduardo Ribeiro? Não possuímos nem motivos nem documentos para dizê-lo. O major Araripe manteve-se aparentemente em silêncio durante o resto de sua vida.

NOTAS

(28)
Trata-se certamente de Sebastião Dinis,
um dos mais antigos concessionários da
abertura da estrada carroçável Manaus-Rio
Branco e a quem os governos seguidamente
calotearam até a gestão do coronel Constantino Nery
inclusive e etc. e tal. A viúva, lesada em cerca de quatro
mil contos de réis, mexeu com todos os santos do
inferno e diabos do céu, mas nada recebeu de volta. O velho Sebastião
Dinis acabou esticando as botas e amaldiçoando os
Nery, com outros fornecedores do tipo daquele
português Florêncio Rodrigues de
Almeida, morto na miséria em Portugal. O
mesmo fim teve o construtor do Teatro Amazonas e de outras obras
majestáticas, Manuel Coelho de Castro.

(29) Essa "chave de ouro" emprestada é de um soneto
antológico de dom Pedro II no exílio, colocado na
ortografia moderna.