CAPÍTULO 4
NEM TUDO QUE É SÓLIDO SE DESMANCHA NO AR
Talvez Eduardo Ribeiro fosse
uma esfinge à espera de que a posteridade o definisse. Abateram-no porque não
conseguiram vencê-ló pela persuasão e pela mofatra. O major Araripe disse dele
coisas profundamente ignominiosas, uma retaliação grosseira e, por certo,
produto da inconfessável frustração. Essas frases odiosas foram publicadas no
livro citado do historiador Lima Bacuri e vamos transcrevê-las, porque, como se
disse antes, representavam nada mais que uma vindicação agressiva, e sem norte.
Isso aconteceu após a segunda bernarda de 1893, mas é também reflexo da
desastrada arruaça de dezembro de 1892:
ARTIGO DO MAJOR TRISTÃO
SUCUPIRA DE ALENCAR ARARIPE
Ao público e aos meus camaradas oficiais do Exército.
A ninguém é desconhecido nesta capital o modo porque eu e o meu irmão -
o bacharel João Araripe - temos procedido em relação às calúnias infames
mandadas assoalhar contra nós neste Estado e fora dele pelo governador Eduardo
Ribeino, por intermédio de uma matilha de rafeiros assalariados que o servem
incondicionalmente, prontos a satisfazer-lhe os fins mais ignóbeis. À proporção
que temos tido conhecimento dessas produções nojentas - já sob forma de
pasquins, já sob forma de correspondência em artigos e telegramas à imprensa,
guase tudo anônimo - temos devolvido com a responsabilidade legal de nossas
assinaturas essas podridões que nos arremessam, produzidas por um ente gerado
num meio abjeto,
vindo ao mündo com a alma formada pela fatalidade atávica nos moldes dos
sentimentos mais torpes de degradafão moral. Sem coragem para enfrentar-me,
reconhecendo
que minha presença e de alguns parentes meus neste Estado era-lhe
incômodo(20), urdiu-nos uma indigna tramóia, pretendendo esse saltimbanco
político envolver nos em sua politicagem de falsidade e cinismo.
Em telegrama publicado no Jomal do Commercio da capital federal, essa
pústula que flagela a dignidade deste povo no exercício imoral do cargo de
governador, esse miserável caluniou-me vil e infamemente perante o Brasil
inteiro, pelo que requeri conselbo de investigação a fim de provar que fui
vítima de um eactravasamento dessa pústula e patentear ao público e aos meus
camaradas oficiais do Exército que felizmente não fui
atingido pelas torpezas desse bandido.
Em requerimento que dirigi ao exmo. sr. general comandante do 1.° Distrito
Militar em data de 18 do corrente solicitei nomeação de um conselho de
investigação para liguidar as acusações feitas no dito telegrama que assim diz:
"O major
Sucupira despeitado pela não concessão da estrada do Rio Branco e
demissão de um seu irmão empregado, procura por todos os meios embaraçar o
governo do Amazonas provocando escândalos e conflitos etc. etc."
Publicado no Diário de Notícias da Bahia de 12 de janeiro por transcrição do Jornal
do Commercio do Rio, veio ao meu conhecimento o tal telegrama a 9 do corrente e
logo a 10 fiz a requisição aludida pedindo ao exmo. sr. general solicitasse do
governador relatório escrito acompanhado de documentos que pudessem instruir o
processo a que me propunha responder no intuito de que fossem provadas as acusações
ou considerado o governador um caluniador.
Após duas solicitações feitas a este último em ofícios do comando do 1.°
Distrito sob números 3898 e 3915 de 13 e 20 do corrente exigindo remessa do
relatório e documentos em questão obtive o seguinte despacho:
"Não pode ter lugar a nomeação do conselho de investigação
requerido pelo suplicante por falta de base para tal nomeação visto como o dr.
governador do Estado de quem foram solicitados documentos competentes e
informações a respeito, declarou-me em seu ofício n.° 1 de ontem nada ter que
informar-me acerca dos fatos sobre que deviam versar as investigações do
conselho, por serem estes fatos correntes nesta capital e fora dela (Assinado)
Bento José Fernandes Júnior":
Miserável quando, onde e em que termos formulei pedido de concessão
dessa estrada de ferro que dizes ter me recusado?
Meu irmão o bacharel João Araripe não foi o próprio gue demitiu-se
espontaneamente do cargo de Procurador Fiscal do Tesouro Estadual arremessando
às faces desbriadas tuas esse emprego, por julgar se incompatibilizado de
servir com um governador abjeto e pusilânime?
Não foste tu, bandido! que engendraste essa comédia política para mais
tarde a 25 de janeiro praticares a imoral farsa eleitoral de te apoderares das
municipalidades do Estado e assim garantires o teu governo pelo suborno?
Finalmente não foste tu, infame miserável! que telegrafaste ao exmo. sr.
marechal Presidente da República dizendo teres triunfado licitamente nesse
pleito eleitoral caracterizado pela mais negra falsificação?
Cínico!
Manaus, 22 de fevereiro de 1893
Major Tristão S. de A. Araripe
O artigo acima merece ser
comentado por vários motivos que não são só políticos. O leitor desavisado deve
de haver prestado atenção àquele trecho "vindo ao mundo com a alma formada
pela fatalidade atávica". E mais: "ente gerado num meio.
abjeto", que poderiam completar os escassos dados da infância e
adolescência de Eduardo Ribeiro. Sabe-se de fonte limpa haverem sido seus pais
humildes e descendentes diretos de escravos negros no Maranhão. A ninguém era
desconhecida essa faceta na Manaus de 1892. Posto que não fosse negro retinto,
o dr. Eduardo Ribeiro o era por ascendência e pelos característicos somáticos.
Em seu busto de mármore que encima o túmulo pode ver-se perfeitamente o lanudo
do cabelo agarrado ao crânio. Mas não é a essa particularidade que se refere o
foliculário insatisfeito, e, sim, à notória condição humildosa do pobre menino
gerado numa família sem condições financeiras. Além do mais, corria em Manaus
uma notícia que parece ajustar-se àquela expressão dura "fatilidade
atávica". Parece que o genitor do governador não era equilibrado
mentalmente, e até nos causa certa estranheza nunca se referirem aos pais dele.
Só se sabe de certo que o menino fora excepcionalmente dotado de predicados
intelectuais muito generosos e alcançaria pelo mérito o posto no Exército pelos
canais acadêmicos, e não por atos de bravura ou outros. É-se levado a admitir
que a antipatia do moço militar pela política imperial advém de uma relação de
causa e efeito com a escravidão negra.
Eduardo Ribeiro foi um
marginal superior, destacando-se da linha de comportamento do homem de cor pela
ambição de subir. É a sua negritude, seu proverbial amor pelo Maranhão, que o
leva a amparar as populações miseráveis daquele Estado, a criar colônias em
Manaus para locar os conterrâneos, a chamar para a administração maranhenses
cultos. Excepcionalmente ele procura atrair gente de Pernambuco, mas não do
Ceará e de outros Estados. Por isso, nas entrelinhas, o inquieto e trêfego
major Araripe o estigmatizava com o sinal da loucura! O que sobra para dizer é
muito pouco: não me convenço da retirada suasória do irmão Araripe do governo.
Naquele tempo de concorrência assanhada? Não, a demissão foi dada por motivos que
são óbvios: a estrada de ferro projetada e que nunca seria realizada. Aliás, o
que ficou registrado não foi uma "estrada de ferro" e, sim, a estrada
carroçável para o Rio Branco (21).
Ora bem, por todas essas
amostras de despeito, frustração, carência de espírito de disciplina,
arrogância e outras causas possíveis e ocultas ou semostradas, não é de duvidar
que os Araripe, contaminados pelas futricas dos pretensos açambarcadores do
poder, houvessem preparado a conjura militar. Só que os Nery não eram da têmpera
do coronel Guerreiro Antony, que agüentou com seus homens o bombardeio de sua
casa da rua de Enrique Martins. Fugindo todos eles, com o padre Amâncio de
Miranda à frente, deixaram o general Bento Fernandes Júnior como bode
expiatório da convulsão política. Mas tanto o general como o tenente-coronel
Geógrafo vieram a público cada qual contar sua história. História que é,
naturalmente, unilateral, um criando motivos suspeitosos para justificar seu
indébito ingresso na bernarda; o outro até levando-o no ridículo, increpando-o
de joguete e outros conceitos depreciativos.
Enquanto durou a Província e
o sistema de eleição, não houve barulho armado, embora houvesse cambalacho,
como em 1878 (22). Depois da República, ou no início da República, têm começo
os desaguisados, as intrigalhas, entre monarquistas e republicanos, estes
crismados de jacobinos quando demasiado ferrenhos na defesa da
"democracia".
Essa luta entre partidos
políticos, e daí entre elementos entre si, teve no dr. Domingos Teófilo de
Carvalho Leal um representante inconformado. Logo mais a brega avulta e obriga
o governador Ximeno de Villeroy a renunciar. Fervia o caldeirão político,
estalavam as ambições de cargos elevados. Estouram as duas quarteladas contra
Eduardo Ribeiro e um remanso sucede. Como as tempestades amazônicas que duram
um máximo de sessenta minutos, a paz e a concórdia desceram sobre os partidos.
Uma década mais ou menos de trabalho subterrâneo, mas o vulcão da discórdia
está adquirindo forças e vai explodir em 1910 com força total. Aqui são ainda
os militares que promovem o genocídio em Manaus, com aqueles calhambeques
apelidados de navios de guerra, "Missões", "Traripe",
carentes de guarnições necessárias à manutenção da ordem pública, como disse o
comandante da flotilha em resposta ao apelo do governador Eduardo Ribeiro para
que as forças federais controlassem a bernarda (23).
Poderíamos ajuizar de outra
forma a recusa em desembarcar, talvez por prudência ou parcialidade. De
qualquer maneira, foi sempre uma medida ajuizada, pois o Estado mantinha de
fogos acesos seus dois barquinhos de guerra, os avisos "Tefé" e
"Jutaí", melhor armados que os napaflus (navios de patrulha fluvial)
de então. Era fiado nessa garantia que o dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro oficiava
ao comandante da flotilha, dando conta do que se passava e resistindo às
pressões adversárias. Mas foi o capitão dr. Manuel Uchoa Rodrigues quem dirimiu
o conflito, tomando a deliberação de propor pessoalmente ao governador do
Estado as tréguas. Ele se encontrava prisioneiro dentro do quartel do 36° BI,
quando lá fora, por mera curiosidade, foi saber o que havia, por causa do
tiroteio. É uma proposta de paz e concórdia que vai atamancar a dissidência e
fazer valer a autoridade do dr. Eduardo Ribeiro e do comandante Geógrafo. Fê-lo
entretanto com o conhecimento pleno do general Bento e sua concordância:
Amigo dr. Eduardo Ribeiro. Acho-me no quartel desde ontem e tenho visto
o que nestas horas de luto se tem dado de lastimável para o Estado do
Amazonas. Acabo de saber que em breve continuarão as hostilidades. Por um dever
de cidadão, ao qual não me posso eximir, mormente na crise que atravessamos,
aguda como sabeis, eu como cidadão, e como soldado, concitovos a suspender a
luta até que eu tenha uma conferência convosco. Aguardo vossa resposta urgente.
Do amigo e colega Manuel Uchoa Rodrigues - Deputado Federal Quartel do 36.°
Batalhão de Infanteria em 27 de fevereiro de 1893, às 6 horas da tarde.
Diz o mesmo apaziguador que
às oito da mesma noite recebeu do governador a resposta:
Manaus, 27 de fevereiro de 1893. Amigo dr. Manuel Uchoa Rodrigues
Em resposta a vossa carta agora mesmo recebida declaro-vos que aguardo a
vossa vinda a este Palácio para que possa ter lugar a conferência a que vos
referis.
Espero que isso seja urgente porque toda a força do Estado está a postos
até que seja restabelecido o império da lei. Não transijo.
Do amigo e colega - Eduardo G. Ribeiro
Não transigiu. Ao lado
direito do Palácio, ancorados, estavam os dois avisos de guerra
"Tefé" e ` Jutaí ", prontos e de fogos acesos para tomar parte
no conflito se as canhoneiras o fizessem. Entrincheirada no telhado da
Enfermaria Militar e Quartel General, a guarda fazia fogo contra o Palácio, que
àquele tempo era um metro quadrado de pedras robustas, só mais tarde acrescido
de instalações melhores do que a cocheira e a baia. Em compensação, as forças
estaduais ocupavam "pontos estratégicos" à entrada da praça da
República e rua e cruzamento das ruas Municipal e Instalação da Província, e
pelo lado norte guarnecendo a casa do governador, na rua de José Clemente
Pereira. Quase fechados em um círculo de fogo, os soldados do 36° BI ainda
resistiam pela honra da firma, comandados pelos amotinados que não eram todos
os oficiais e mantendo como reféns o dr. Manuel Uchoa Rodrigues,
tenente-coronel Geógrafo de Castro Silva, dr. Clarindo de Queirós, tenente João
de Lemos e outros oficiais graduados não partícipes da camorra. Antes de tomar
corpo a ideia de terminar-se honrosamente o conflito armado, aparecera diante
do quartel uma comissão de paz composta dos senadores Almino Álvares Affonso,
do vice-governador dr. Moreira, do senador Joaquim Sarmento e do dr. Duarte da
Silva., presidente do Superior Tribunal de Justiça, que fora vaiada pela
populaça engajada no serviço particular dos Araripe e não conseguira falar com
o general Bento José Femandes Júnior. Essa mesma comissão publicara antes um
manifesto ao país, relatando os episódios comprometedores em que estava n
envolvidos oficiais e paisanos simpáticos à causa do major Constantino Nery e
Tristão de Alencar Araripe.
De volta ao quartel
amotinado, o dr. Uchoa Rodrigues conseguiria convencer o general-de-brigada
Bento Fernandes Júnior da inutilidade da resistência diante de tantos mortos e
feridos e da carência de munição existente. O relato diz que já havia sido
distribuída entre os soldados toda a munição e, diante da inflexível tomada de
posição do governador, considerava-se perdida a ingrata causa. Ingrata causa
suscitada pelo delírio de grandezas e da qual já haviam fugido alguns dos
elementos ditos lideres. A propósito, comentava. o manifesto dirigido ao país e
à Câmara dos Deputados: "O Hilário com os trezentos homens não apareceu, o
Agesilau foi mudar a camisa e não voltou, o Miranda Araújo vinha depois do
jantar e ainda não chegou". Esses eram partidários acérrimos da
escaramuça, mas na hora do pega-pra-capar azularam. Voltariam depois com
desculpas amarelas, quando tudo serenado, o general Bento demitido, os Araripe
embarcados e o major Constantino Nery quieto em sua triste condição de
governador desaclamado.
Os mazorqueiros fugiram ou
silenciaram, amoitados em suas covas residenciais. O primeiro a dar às de
vila-diogo foi o cônego Amâncio de Miranda. Havia sïdo vice-presidente da
Província do Amazonas no período de 2 de julho a 12 de julho de 1888, e de 11
de novembro de 1888 a 12 de fevereiro de 1889 como presidente. Cometeu uma
série de extravagâncias e é apontado como negociador de um carro de condução de
água potável, que não merecia ser adquirido pela Presidência pelo mau estado em
que estava. Negociatas desse tipo ou quiçá pior aconteciam nos governos da
República até nossos dias. O cônego ou monsenhor arrenegaria da amizade dos
Nery e isolou-se no conato de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém. Foi
singularmente um dos mais cultos sacerdotes daquele tempo, sendo amazonense de
Manaus, numa época de efervescência politica. Foi professor de língua grega
(catedrático) no Liceu Pais de Carvalho (Belém), jornalista polêmico e
camareiro extranumerário do papa Leão XIII. O Dicionário histórico, geográfico e etnográfico do Brasil, parte
referente ao Amazonas(24), diz que ele fora "perseguido por adversários
políticos", o que não é verdade pelo menos na administração Eduardo
Ribeiro, durante a qual sempre gozou de muita liberdade individual e religiosa.
Pode ser que mais tarde, nos governos do coronel Ramalho Júnior e do tenente
Fileto Pires, tenha sido molestado pelas correrias que arquitetasse com seus
amigos do Partido Nacional. O que é admirável (mas não me suscita admiração) é o
convívio de políticos "decaídos" com os Nery governadores. De repente,
os amigos do dr. Eduardo Ribeiro seguem um novo rumo, tomam-se vestais
consagradas ao novo culto. Os amigos da mocidade ficam fiéis, como o dr. Pedro
Freire e o dr. Serzedelo Correa. O que faria o dr. Silvério Nery com toda a
herança recebida desse governo próspero e progressista? Que faria ele para
contrabalançar o "demérito" das escavações contratadas a preços
astronômicos e outros serviços? Resposta: nada. Nada. O que resultaria dessa
política de desperpetuidade genial seria doloroso para todos nós de hoje.
Muitos benefícios preparados pelo governo do dr. Eduardo Ribeiro foram cruel e
morbidamente interrompidos ou deixa.dos de executar na origem. Nem sequer o dr.
Silvério Nery e antes dele o coronel Ramalho Júnior vislumbraram a solidez
daquelas iniciativas. Aconteceu, pois, que, seguindo o dogma de que "a
vingança é o privilégio dos deuses", aqueles políticos reduziram a zero
qualquer forma de sobrevivência da simpatia pública auferida pelos adversários
políticos ou procuravam atrair políticos de expressão para seu grêmio. Isso
aconteceu realmente e é histórico que nomes de politicos tidos por inimigos
figadais passassem a conviver nos bródios suntuosos como aquele banquete em que
o monsenhor Courinho começa com um verso de Dante Alighieri para turibular ao
chefe e conceder-lhe a aura de probo: "Há um verso de Dante, considerado
por Salvattore Thomasi como o ma.is belo verso do mundo e que bem se poderia
aplicar a v excia., dr. Silvério Nery: Sotto
L`usbergo del sentirse puro":
Não estamos inquinando dr.
Silvério Nery de gastador atrabiliário dos dinheiros públicos, apenas
convocando ás notas históricas de sua própria lavra para que se fique sabendo
que era comum a um governo discordar sem motivo sério das atividades financeiras
de seu antecessor. Pelos menos os governos passados não ofereceram banquetes
suntuosos para comemoração de aniversários de administração nem mandaram cunhar
medalhas alusivas ao quadriênio. Isso requereria dinheiro e esse dinheiro nâo
sairia do bolso particular do "homenageado" pelo povo. Em 1902, um
jornalista satírico que assinava. "O Velho" escrevia no jornal A Província do Pará (13 de setembro)
artigo titulado "Manaus" (sic), dizendo: "As `histórias do
Amazonas' hão de alcançar a mesma celebridade que as histórias do arco da velha, tão bizarras e fabulosas são elas! Não
passa um só dia sem que, aqui, deixe de aparecer uma coisa engraçada e nova.
Quando, em Manaus (sic), chegaram os números de A Província, destabanado colega da `Secção Livre', L. O. despejou
diante do público uma cornucópia de notícias estupefacientes, o meu velho e bom
camarada Silvério iluminou-se e, com seu próprio punho, dizem, escreveu para o Amazonas (jornal) uma ameaça tremenda
contra o governador do Pará e o redator-chefe d'A Província;, e afirmou que aqueles artigos da `Secção Livre' saíam
da própria redação, que assim praticava uma farsa".
O caso é que naquele tempo
os jomais de todo o Brasil comentavam os sucessos mais escandalosos dos governos
amazonenses e só assim o país tomava
conhecimento de ocorrências
boas e más. Ora, o dr. Silvério Nery poderia orgulhar-se de não haver sido
bafejado pelo cálamo precioso do grande maranhense Coelho Neto, a quem
encomendou a sátira jocosa escrita no periódico A Cidade do Rio de 10 de agosto de 1900 contra o govemador Ramalho
Júnior. Aquele Coelho Neto, que nos deslumbrou com sua prosa nos timidos
alvoreceres da literatura e depois nos deixou com náuseas, foi o mesmo que,
aqui recebido com arras e estenderetes, saiu dizendo mal do Amazonas e de
nossos símbolos, símbolos oficializados pelo governador Ramalho Júnior. Coelho
Neto como Alberto Rangel escarraram na mão que os encheu de libras esterlinas.
Aliás, foi sempre assim, não admira. O que admira é a crônica encomendada,
crônica que, vazada em estilo do ano da graça de 1200, situa o coronel Ramalho
Júnior na triste posição de emérito sibarita. O título da crônica é "Sete
mil-réis", importância que se diz haver o dr. Silvério Nery encontrado de
saldo no Tesouro. Extratamos apenas uns períodos: "Ele não era
simplesmente o zastre elegante, era o rascoeiro de qualquer zabaneira, tanto
aceitava a recambiada dos alcouces europeus como a lavadeira dos igarapés e,
como em geral, a concubina é alagadeira iam-se os bens do Tesouro em presentes
com que o balardo pagava. os espasmos das suas noites". "Eu não
lastimo somente o Amazonas, tenho pena, igualmente, do novo govemador que vai,
num trabalho hercúleo, tirar do lodo um Estado. Pobre coronel Silvério!"
Era visceral a campanha de
difamação que presidia,os atos de assunção do novo pretoriano. No entanto, quem
lê a mensagem do dr. Silvério Nery chega à conclusão de que ele não operou
nenhum milagre para satisfazer a todos os compromissos e pagar o funcionalismo
em dia. Mas éra a chave com que os governos abriam a porta da notoriedade e em
nossos dias ouvimos a mesma cantiga. De mesmo que isso estava acontecendo com o
governo Silvério Nery, agitavam-se na capital federal outras questões que pelo
fato de estarem no passado não deixava n de causar pruridos incômodos nos
falastrões da imprensa ou nos interessados na maledicência.
NOTAS
(20)O major Tristão de
Alencar Araripe não explicou publicamente a razão pela qual sua presença
em Manaus era
"incômoda" ao governo.
(21)
Joaquim Huet de Bacelar,
Projeto de Estrada de Ferro
estratégica de
Manaus à fronteira do Rio
Branco Amazonas.
(22)Exposição em Manaus,
1870.
Trata-se de recursos contra
as eleições
paroquiais daquela data e
suas manobras.
(23)Havia mais navios, cerca
de uns seis, iriclusive sucatas memoráveis do tempo da guerra com o Paraguai e
maridadas "servir" nesta terra de degredo. Que eu me lembre somente a
canhoneira "Missões" de fundo chato, pouco calado, apresentava
aspecto decente de navio de guerra.
(24)A parte referente ao
Estado do Amazonas (v. II, p.83 e segs.) foi redigida pelo dr. Luciano Pereira
da Silva. O volume publicado no Rio de Janeiro tem a data de 1922.
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