segunda-feira, 23 de maio de 2016

A trajetória de Eduardo Gonçalves Ribeiro IV - MÁRIO YPIRANGA MONTEIRO


CAPÍTULO 4

NEM TUDO QUE É SÓLIDO SE DESMANCHA NO AR


Talvez Eduardo Ribeiro fosse uma esfinge à espera de que a posteridade o definisse. Abateram-no porque não conseguiram vencê-ló pela persuasão e pela mofatra. O major Araripe disse dele coisas profundamente ignominiosas, uma retaliação grosseira e, por certo, produto da inconfessável frustração. Essas frases odiosas foram publicadas no livro citado do historiador Lima Bacuri e vamos transcrevê-las, porque, como se disse antes, representavam nada mais que uma vindicação agressiva, e sem norte. Isso aconteceu após a segunda bernarda de 1893, mas é também reflexo da desastrada arruaça de dezembro de 1892:

ARTIGO DO MAJOR TRISTÃO SUCUPIRA DE ALENCAR ARARIPE

Ao público e aos meus camaradas oficiais do Exército.
A ninguém é desconhecido nesta capital o modo porque eu e o meu irmão - o bacharel João Araripe - temos procedido em relação às calúnias infames mandadas assoalhar contra nós neste Estado e fora dele pelo governador Eduardo Ribeino, por intermédio de uma matilha de rafeiros assalariados que o servem incondicionalmente, prontos a satisfazer-lhe os fins mais ignóbeis. À proporção que temos tido conhecimento dessas produções nojentas - já sob forma de pasquins, já sob forma de correspondência em artigos e telegramas à imprensa, guase tudo anônimo - temos devolvido com a responsabilidade legal de nossas assinaturas essas podridões que nos arremessam, produzidas por um ente gerado num meio abjeto,
vindo ao mündo com a alma formada pela fatalidade atávica nos moldes dos sentimentos mais torpes de degradafão moral. Sem coragem para enfrentar-me, reconhecendo
que minha presença e de alguns parentes meus neste Estado era-lhe incômodo(20), urdiu-nos uma indigna tramóia, pretendendo esse saltimbanco político envolver nos em sua politicagem de falsidade e cinismo.
Em telegrama publicado no Jomal do Commercio da capital federal, essa pústula que flagela a dignidade deste povo no exercício imoral do cargo de governador, esse miserável caluniou-me vil e infamemente perante o Brasil inteiro, pelo que requeri conselbo de investigação a fim de provar que fui vítima de um eactravasamento dessa pústula e patentear ao público e aos meus camaradas oficiais do Exército que felizmente não fui
atingido pelas torpezas desse bandido.
Em requerimento que dirigi ao exmo. sr. general comandante do 1.° Distrito Militar em data de 18 do corrente solicitei nomeação de um conselho de investigação para liguidar as acusações feitas no dito telegrama que assim diz: "O major
Sucupira despeitado pela não concessão da estrada do Rio Branco e demissão de um seu irmão empregado, procura por todos os meios embaraçar o governo do Amazonas provocando escândalos e conflitos etc. etc."
Publicado no Diário de Notícias da Bahia de 12 de janeiro por transcrição do Jornal do Commercio do Rio, veio ao meu conhecimento o tal telegrama a 9 do corrente e logo a 10 fiz a requisição aludida pedindo ao exmo. sr. general solicitasse do governador relatório escrito acompanhado de documentos que pudessem instruir o processo a que me propunha responder no intuito de que fossem provadas as acusações ou considerado o governador um caluniador.
Após duas solicitações feitas a este último em ofícios do comando do 1.° Distrito sob números 3898 e 3915 de 13 e 20 do corrente exigindo remessa do relatório e documentos em questão obtive o seguinte despacho:
"Não pode ter lugar a nomeação do conselho de investigação requerido pelo suplicante por falta de base para tal nomeação visto como o dr. governador do Estado de quem foram solicitados documentos competentes e informações a respeito, declarou-me em seu ofício n.° 1 de ontem nada ter que informar-me acerca dos fatos sobre que deviam versar as investigações do conselho, por serem estes fatos correntes nesta capital e fora dela (Assinado) Bento José Fernandes Júnior":
Miserável quando, onde e em que termos formulei pedido de concessão dessa estrada de ferro que dizes ter me recusado?
Meu irmão o bacharel João Araripe não foi o próprio gue demitiu-se espontaneamente do cargo de Procurador Fiscal do Tesouro Estadual arremessando às faces desbriadas tuas esse emprego, por julgar se incompatibilizado de servir com um governador abjeto e pusilânime?
Não foste tu, bandido! que engendraste essa comédia política para mais tarde a 25 de janeiro praticares a imoral farsa eleitoral de te apoderares das municipalidades do Estado e assim garantires o teu governo pelo suborno?
Finalmente não foste tu, infame miserável! que telegrafaste ao exmo. sr. marechal Presidente da República dizendo teres triunfado licitamente nesse pleito eleitoral caracterizado pela mais negra falsificação?
Cínico!
Manaus, 22 de fevereiro de 1893
Major Tristão S. de A. Araripe

O artigo acima merece ser comentado por vários motivos que não são só políticos. O leitor desavisado deve de haver prestado atenção àquele trecho "vindo ao mundo com a alma formada pela fatalidade atávica". E mais: "ente gerado num meio. abjeto", que poderiam completar os escassos dados da infância e adolescência de Eduardo Ribeiro. Sabe-se de fonte limpa haverem sido seus pais humildes e descendentes diretos de escravos negros no Maranhão. A ninguém era desconhecida essa faceta na Manaus de 1892. Posto que não fosse negro retinto, o dr. Eduardo Ribeiro o era por ascendência e pelos característicos somáticos. Em seu busto de mármore que encima o túmulo pode ver-se perfeitamente o lanudo do cabelo agarrado ao crânio. Mas não é a essa particularidade que se refere o foliculário insatisfeito, e, sim, à notória condição humildosa do pobre menino gerado numa família sem condições financeiras. Além do mais, corria em Manaus uma notícia que parece ajustar-se àquela expressão dura "fatilidade atávica". Parece que o genitor do governador não era equilibrado mentalmente, e até nos causa certa estranheza nunca se referirem aos pais dele. Só se sabe de certo que o menino fora excepcionalmente dotado de predicados intelectuais muito generosos e alcançaria pelo mérito o posto no Exército pelos canais acadêmicos, e não por atos de bravura ou outros. É-se levado a admitir que a antipatia do moço militar pela política imperial advém de uma relação de causa e efeito com a escravidão negra.
Eduardo Ribeiro foi um marginal superior, destacando-se da linha de comportamento do homem de cor pela ambição de subir. É a sua negritude, seu proverbial amor pelo Maranhão, que o leva a amparar as populações miseráveis daquele Estado, a criar colônias em Manaus para locar os conterrâneos, a chamar para a administração maranhenses cultos. Excepcionalmente ele procura atrair gente de Pernambuco, mas não do Ceará e de outros Estados. Por isso, nas entrelinhas, o inquieto e trêfego major Araripe o estigmatizava com o sinal da loucura! O que sobra para dizer é muito pouco: não me convenço da retirada suasória do irmão Araripe do governo. Naquele tempo de concorrência assanhada? Não, a demissão foi dada por motivos que são óbvios: a estrada de ferro projetada e que nunca seria realizada. Aliás, o que ficou registrado não foi uma "estrada de ferro" e, sim, a estrada carroçável para o Rio Branco (21).
Ora bem, por todas essas amostras de despeito, frustração, carência de espírito de disciplina, arrogância e outras causas possíveis e ocultas ou semostradas, não é de duvidar que os Araripe, contaminados pelas futricas dos pretensos açambarcadores do poder, houvessem preparado a conjura militar. Só que os Nery não eram da têmpera do coronel Guerreiro Antony, que agüentou com seus homens o bombardeio de sua casa da rua de Enrique Martins. Fugindo todos eles, com o padre Amâncio de Miranda à frente, deixaram o general Bento Fernandes Júnior como bode expiatório da convulsão política. Mas tanto o general como o tenente-coronel Geógrafo vieram a público cada qual contar sua história. História que é, naturalmente, unilateral, um criando motivos suspeitosos para justificar seu indébito ingresso na bernarda; o outro até levando-o no ridículo, increpando-o de joguete e outros conceitos depreciativos.
Enquanto durou a Província e o sistema de eleição, não houve barulho armado, embora houvesse cambalacho, como em 1878 (22). Depois da República, ou no início da República, têm começo os desaguisados, as intrigalhas, entre monarquistas e republicanos, estes crismados de jacobinos quando demasiado ferrenhos na defesa da "democracia".
Essa luta entre partidos políticos, e daí entre elementos entre si, teve no dr. Domingos Teófilo de Carvalho Leal um representante inconformado. Logo mais a brega avulta e obriga o governador Ximeno de Villeroy a renunciar. Fervia o caldeirão político, estalavam as ambições de cargos elevados. Estouram as duas quarteladas contra Eduardo Ribeiro e um remanso sucede. Como as tempestades amazônicas que duram um máximo de sessenta minutos, a paz e a concórdia desceram sobre os partidos. Uma década mais ou menos de trabalho subterrâneo, mas o vulcão da discórdia está adquirindo forças e vai explodir em 1910 com força total. Aqui são ainda os militares que promovem o genocídio em Manaus, com aqueles calhambeques apelidados de navios de guerra, "Missões", "Traripe", carentes de guarnições necessárias à manutenção da ordem pública, como disse o comandante da flotilha em resposta ao apelo do governador Eduardo Ribeiro para que as forças federais controlassem a bernarda (23).


Poderíamos ajuizar de outra forma a recusa em desembarcar, talvez por prudência ou parcialidade. De qualquer maneira, foi sempre uma medida ajuizada, pois o Estado mantinha de fogos acesos seus dois barquinhos de guerra, os avisos "Tefé" e "Jutaí", melhor armados que os napaflus (navios de patrulha fluvial) de então. Era fiado nessa garantia que o dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro oficiava ao comandante da flotilha, dando conta do que se passava e resistindo às pressões adversárias. Mas foi o capitão dr. Manuel Uchoa Rodrigues quem dirimiu o conflito, tomando a deliberação de propor pessoalmente ao governador do Estado as tréguas. Ele se encontrava prisioneiro dentro do quartel do 36° BI, quando lá fora, por mera curiosidade, foi saber o que havia, por causa do tiroteio. É uma proposta de paz e concórdia que vai atamancar a dissidência e fazer valer a autoridade do dr. Eduardo Ribeiro e do comandante Geógrafo. Fê-lo entretanto com o conhecimento pleno do general Bento e sua concordância:

Amigo dr. Eduardo Ribeiro. Acho-me no quartel desde ontem e tenho visto
o que nestas horas de luto se tem dado de lastimável para o Estado do Amazonas. Acabo de saber que em breve continuarão as hostilidades. Por um dever de cidadão, ao qual não me posso eximir, mormente na crise que atravessamos, aguda como sabeis, eu como cidadão, e como soldado, concitovos a suspender a luta até que eu tenha uma conferência convosco. Aguardo vossa resposta urgente. Do amigo e colega Manuel Uchoa Rodrigues - Deputado Federal Quartel do 36.° Batalhão de Infanteria em 27 de fevereiro de 1893, às 6 horas da tarde.

Diz o mesmo apaziguador que às oito da mesma noite recebeu do governador a resposta:

Manaus, 27 de fevereiro de 1893. Amigo dr. Manuel Uchoa Rodrigues
Em resposta a vossa carta agora mesmo recebida declaro-vos que aguardo a vossa vinda a este Palácio para que possa ter lugar a conferência a que vos referis.
Espero que isso seja urgente porque toda a força do Estado está a postos até que seja restabelecido o império da lei. Não transijo.
Do amigo e colega - Eduardo G. Ribeiro

Não transigiu. Ao lado direito do Palácio, ancorados, estavam os dois avisos de guerra "Tefé" e ` Jutaí ", prontos e de fogos acesos para tomar parte no conflito se as canhoneiras o fizessem. Entrincheirada no telhado da Enfermaria Militar e Quartel General, a guarda fazia fogo contra o Palácio, que àquele tempo era um metro quadrado de pedras robustas, só mais tarde acrescido de instalações melhores do que a cocheira e a baia. Em compensação, as forças estaduais ocupavam "pontos estratégicos" à entrada da praça da República e rua e cruzamento das ruas Municipal e Instalação da Província, e pelo lado norte guarnecendo a casa do governador, na rua de José Clemente Pereira. Quase fechados em um círculo de fogo, os soldados do 36° BI ainda resistiam pela honra da firma, comandados pelos amotinados que não eram todos os oficiais e mantendo como reféns o dr. Manuel Uchoa Rodrigues, tenente-coronel Geógrafo de Castro Silva, dr. Clarindo de Queirós, tenente João de Lemos e outros oficiais graduados não partícipes da camorra. Antes de tomar corpo a ideia de terminar-se honrosamente o conflito armado, aparecera diante do quartel uma comissão de paz composta dos senadores Almino Álvares Affonso, do vice-governador dr. Moreira, do senador Joaquim Sarmento e do dr. Duarte da Silva., presidente do Superior Tribunal de Justiça, que fora vaiada pela populaça engajada no serviço particular dos Araripe e não conseguira falar com o general Bento José Femandes Júnior. Essa mesma comissão publicara antes um manifesto ao país, relatando os episódios comprometedores em que estava n envolvidos oficiais e paisanos simpáticos à causa do major Constantino Nery e Tristão de Alencar Araripe.
De volta ao quartel amotinado, o dr. Uchoa Rodrigues conseguiria convencer o general-de-brigada Bento Fernandes Júnior da inutilidade da resistência diante de tantos mortos e feridos e da carência de munição existente. O relato diz que já havia sido distribuída entre os soldados toda a munição e, diante da inflexível tomada de posição do governador, considerava-se perdida a ingrata causa. Ingrata causa suscitada pelo delírio de grandezas e da qual já haviam fugido alguns dos elementos ditos lideres. A propósito, comentava. o manifesto dirigido ao país e à Câmara dos Deputados: "O Hilário com os trezentos homens não apareceu, o Agesilau foi mudar a camisa e não voltou, o Miranda Araújo vinha depois do jantar e ainda não chegou". Esses eram partidários acérrimos da escaramuça, mas na hora do pega-pra-capar azularam. Voltariam depois com desculpas amarelas, quando tudo serenado, o general Bento demitido, os Araripe embarcados e o major Constantino Nery quieto em sua triste condição de governador desaclamado.
Os mazorqueiros fugiram ou silenciaram, amoitados em suas covas residenciais. O primeiro a dar às de vila-diogo foi o cônego Amâncio de Miranda. Havia sïdo vice-presidente da Província do Amazonas no período de 2 de julho a 12 de julho de 1888, e de 11 de novembro de 1888 a 12 de fevereiro de 1889 como presidente. Cometeu uma série de extravagâncias e é apontado como negociador de um carro de condução de água potável, que não merecia ser adquirido pela Presidência pelo mau estado em que estava. Negociatas desse tipo ou quiçá pior aconteciam nos governos da República até nossos dias. O cônego ou monsenhor arrenegaria da amizade dos Nery e isolou-se no conato de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém. Foi singularmente um dos mais cultos sacerdotes daquele tempo, sendo amazonense de Manaus, numa época de efervescência politica. Foi professor de língua grega (catedrático) no Liceu Pais de Carvalho (Belém), jornalista polêmico e camareiro extranumerário do papa Leão XIII. O Dicionário histórico, geográfico e etnográfico do Brasil, parte referente ao Amazonas(24), diz que ele fora "perseguido por adversários políticos", o que não é verdade pelo menos na administração Eduardo Ribeiro, durante a qual sempre gozou de muita liberdade individual e religiosa. Pode ser que mais tarde, nos governos do coronel Ramalho Júnior e do tenente Fileto Pires, tenha sido molestado pelas correrias que arquitetasse com seus amigos do Partido Nacional. O que é admirável (mas não me suscita admiração) é o convívio de políticos "decaídos" com os Nery governadores. De repente, os amigos do dr. Eduardo Ribeiro seguem um novo rumo, tomam-se vestais consagradas ao novo culto. Os amigos da mocidade ficam fiéis, como o dr. Pedro Freire e o dr. Serzedelo Correa. O que faria o dr. Silvério Nery com toda a herança recebida desse governo próspero e progressista? Que faria ele para contrabalançar o "demérito" das escavações contratadas a preços astronômicos e outros serviços? Resposta: nada. Nada. O que resultaria dessa política de desperpetuidade genial seria doloroso para todos nós de hoje. Muitos benefícios preparados pelo governo do dr. Eduardo Ribeiro foram cruel e morbidamente interrompidos ou deixa.dos de executar na origem. Nem sequer o dr. Silvério Nery e antes dele o coronel Ramalho Júnior vislumbraram a solidez daquelas iniciativas. Aconteceu, pois, que, seguindo o dogma de que "a vingança é o privilégio dos deuses", aqueles políticos reduziram a zero qualquer forma de sobrevivência da simpatia pública auferida pelos adversários políticos ou procuravam atrair políticos de expressão para seu grêmio. Isso aconteceu realmente e é histórico que nomes de politicos tidos por inimigos figadais passassem a conviver nos bródios suntuosos como aquele banquete em que o monsenhor Courinho começa com um verso de Dante Alighieri para turibular ao chefe e conceder-lhe a aura de probo: "Há um verso de Dante, considerado por Salvattore Thomasi como o ma.is belo verso do mundo e que bem se poderia aplicar a v excia., dr. Silvério Nery: Sotto L`usbergo del sentirse puro":


Não estamos inquinando dr. Silvério Nery de gastador atrabiliário dos dinheiros públicos, apenas convocando ás notas históricas de sua própria lavra para que se fique sabendo que era comum a um governo discordar sem motivo sério das atividades financeiras de seu antecessor. Pelos menos os governos passados não ofereceram banquetes suntuosos para comemoração de aniversários de administração nem mandaram cunhar medalhas alusivas ao quadriênio. Isso requereria dinheiro e esse dinheiro nâo sairia do bolso particular do "homenageado" pelo povo. Em 1902, um jornalista satírico que assinava. "O Velho" escrevia no jornal A Província do Pará (13 de setembro) artigo titulado "Manaus" (sic), dizendo: "As `histórias do Amazonas' hão de alcançar a mesma celebridade que as histórias do arco da velha, tão bizarras e fabulosas são elas! Não passa um só dia sem que, aqui, deixe de aparecer uma coisa engraçada e nova. Quando, em Manaus (sic), chegaram os números de A Província, destabanado colega da `Secção Livre', L. O. despejou diante do público uma cornucópia de notícias estupefacientes, o meu velho e bom camarada Silvério iluminou-se e, com seu próprio punho, dizem, escreveu para o Amazonas (jornal) uma ameaça tremenda contra o governador do Pará e o redator-chefe d'A Província;, e afirmou que aqueles artigos da `Secção Livre' saíam da própria redação, que assim praticava uma farsa".
O caso é que naquele tempo os jomais de todo o Brasil comentavam os sucessos mais escandalosos dos governos amazonenses e só assim o país tomava
conhecimento de ocorrências boas e más. Ora, o dr. Silvério Nery poderia orgulhar-se de não haver sido bafejado pelo cálamo precioso do grande maranhense Coelho Neto, a quem encomendou a sátira jocosa escrita no periódico A Cidade do Rio de 10 de agosto de 1900 contra o govemador Ramalho Júnior. Aquele Coelho Neto, que nos deslumbrou com sua prosa nos timidos alvoreceres da literatura e depois nos deixou com náuseas, foi o mesmo que, aqui recebido com arras e estenderetes, saiu dizendo mal do Amazonas e de nossos símbolos, símbolos oficializados pelo governador Ramalho Júnior. Coelho Neto como Alberto Rangel escarraram na mão que os encheu de libras esterlinas. Aliás, foi sempre assim, não admira. O que admira é a crônica encomendada, crônica que, vazada em estilo do ano da graça de 1200, situa o coronel Ramalho Júnior na triste posição de emérito sibarita. O título da crônica é "Sete mil-réis", importância que se diz haver o dr. Silvério Nery encontrado de saldo no Tesouro. Extratamos apenas uns períodos: "Ele não era simplesmente o zastre elegante, era o rascoeiro de qualquer zabaneira, tanto aceitava a recambiada dos alcouces europeus como a lavadeira dos igarapés e, como em geral, a concubina é alagadeira iam-se os bens do Tesouro em presentes com que o balardo pagava. os espasmos das suas noites". "Eu não lastimo somente o Amazonas, tenho pena, igualmente, do novo govemador que vai, num trabalho hercúleo, tirar do lodo um Estado. Pobre coronel Silvério!"
Era visceral a campanha de difamação que presidia,os atos de assunção do novo pretoriano. No entanto, quem lê a mensagem do dr. Silvério Nery chega à conclusão de que ele não operou nenhum milagre para satisfazer a todos os compromissos e pagar o funcionalismo em dia. Mas éra a chave com que os governos abriam a porta da notoriedade e em nossos dias ouvimos a mesma cantiga. De mesmo que isso estava acontecendo com o governo Silvério Nery, agitavam-se na capital federal outras questões que pelo fato de estarem no passado não deixava n de causar pruridos incômodos nos falastrões da imprensa ou nos interessados na maledicência.



NOTAS

(20)O major Tristão de Alencar Araripe não explicou publicamente a razão pela qual sua presença
em Manaus era "incômoda" ao governo.

(21)
Joaquim Huet de Bacelar,
Projeto de Estrada de Ferro estratégica de
Manaus à fronteira do Rio Branco Amazonas.

(22)Exposição em Manaus, 1870.
Trata-se de recursos contra as eleições
paroquiais daquela data e suas manobras.

(23)Havia mais navios, cerca de uns seis, iriclusive sucatas memoráveis do tempo da guerra com o Paraguai e maridadas "servir" nesta terra de degredo. Que eu me lembre somente a canhoneira "Missões" de fundo chato, pouco calado, apresentava aspecto decente de navio de guerra.

(24)A parte referente ao Estado do Amazonas (v. II, p.83 e segs.) foi redigida pelo dr. Luciano Pereira da Silva. O volume publicado no Rio de Janeiro tem a data de 1922.







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